Título: O melhor emprego do mundo
Autor: Carvalho, Jailton de; Franco, Bernardo Mello
Fonte: O Globo, 26/07/2009, O País, p. 3

SÃO LUÍS. Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), há muito tempo atua com energia no Maranhão. Formado na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), na turma de 1978, ele se vangloriava, nas rodas de amigos na década de 80, de ter o melhor emprego do mundo: ao mesmo tempo que presidia a Companhia Energética do Maranhão (Cemar), era sócio de uma empresa que fabricava postes de cimento, contratada pela própria estatal.

Em 1983, Fernando foi nomeado presidente da Cemar por Luis Alves Coelho Rocha, eleito governador no ano anterior e aliado de Sarney. Permaneceu na presidência da empresa até 1990, no fim do governo de Epitácio Cafeteira, outro aliado de Sarney. Durante um período, nessa época, Fernando foi sócio da Premolde Indústria de Artefatos de Cimento, que fabricava postes de cimento.

Havia uma determinação do governo federal, na ocasião, para que fossem trocados os postes de madeira que ainda existiam no Maranhão por modelos de cimento, muito mais seguros e duradouros.

E Fernando viu ali uma oportunidade de negócios. O empresário permaneceu na sociedade da Premolde até 1985, quando repassou sua parte para Armando Martins Oliveira, irmão do ex-governador de Mato Grosso Dante de Oliveira.

Portanto, durante dois anos, da mesma cadeira da presidência da Cemar, ele contratava sua empresa particular e determinava os pagamentos. O outro proprietário da empresa era Miguel Nicolau Duailibe Neto, primo da mulher de Fernando, Teresa Murad, e do marido da governadora Roseana Sarney, Jorge Murad.

No ano passado, a Justiça Federal condenou Duailibe e outro sócio da Premolde, José Roberto Binda, a dois anos e seis meses de prisão por apropriação indébita ¿ a empresa recolhia dos funcionários a contribuição ao INSS, mas não a repassava ao instituto. O Ministério Público Federal recorreu da decisão porque entendeu que o tempo a que foram condenados foi pouco.

Mas, para Fernando garantir a seu grupo o domínio total na área, ainda havia um curto-circuito: a empresa de um técnico em eletrificação, responsável pelos linhões que leva luz pelo estado. Foi aí que a energia de Fernando foi acionada. Os atrasos nos pagamentos da Cemar fizeram com que a Remoel Engenharia, cujo proprietário era o piauiense Moacir Soares do Nascimento, ficasse à beira da falência.

¿ A salvação era associar-se a Fernando e a seu grupo ¿ contaram uma irmã de Moacir e um técnico que trabalhou durante anos na Cemar, que não quiseram se identificar com medo de perseguição da família Sarney.

Moacir não aceitou e vendeu a empresa para Miguel Duailibe e para Armando, que permaneceu na sociedade até 1996. Desde que se desfez do negócio, Moacir mudou-se para o interior do Piauí. Vive de aposentadoria e de umas casinhas que aluga. Na sextafeira, Moacir, hoje com 72 anos, foi procurado por telefone pelo GLOBO, mas sua irmã informou que ele estava viajando e que só retornaria à cidade no final do mês que vem.

O ex-deputado estadual e ex-secretário da Casa Civil Aderson Lago (PSDB) afirma que, na época, questionou o governo sobre a dupla jornada de Fernando Sarney.

¿ Mas eles nunca responderam, sempre silenciaram ¿ conta Aderson.

Sobre a venda da Remoel para o grupo do filho do presidente do Senado, Aderson observa: ¿ Eles asfixiaram o Moacir a ponto de ele não ter mais como tocar a firma.

Fernando deixou a presidência da Cemar em abril de 1990, quando João Alberto Souza assumiu o governo do Maranhão por um ano. Mas alguns de seus amigos permaneceram.

Um deles foi Silas Rondeau. O ex-ministro de Minas e Energia foi diretor de distribuição da estatal durante a gestão de Fernando e ali permaneceu até Roseana Sarney assumir seu primeiro mandato, em 1995.

Silas é acusado pelo Ministério Público, entre outras coisas, de formação de quadrilha.

Nos grampos telefônicos realizados pela Polícia Federal, com autorização judicial, há várias menções a seu nome por outros suspeitos de irregularidades.

Outro amigo de Fernando também fez carreira na Cemar. Trata-se de José Jorge Leite Soares. Foi diretor de operações da estatal nos governos de Cafeteira e de Edison Lobão (1991-1994), o agora ministro de Minas e Energia. Em 2004, José Jorge foi nomeado secretário-geral do Instituto Mirante, a ONG que funciona no mesmo prédio dos meios de comunicação da família Sarney. Ele continua diretor da Cemar, agora uma empresa privada. José Jorge é sócio, ainda, de uma rádio na cidade natal de José Sarney, Pinheiro, no interior do estado.

Fernando gosta de energia. Relatório da Polícia Federal na operação, que indiciou o filho do presidente do Senado por formação de quadrilha, tráfico de influência e evasão de divisas, entre outros crimes, afirma que o grupo de Fernando está atuando constantemente no setor. Diz o documento: ¿O grupo possivelmente pode estar se utilizando de sua influência no meio para obtenção de vantagens, sobretudo com a participação de exploração no setor mediante a utilização de PCHs (pequenas centrais hidrelétricas).¿ O GLOBO procurou falar com Fernando na sede do grupo Mirante, mas ele não foi localizado. Eduardo Ferrão, seu advogado, também foi procurado e não retornou. Miguel Duailibe não foi localizado.