Título: Esquema de Sarney resiste a investigação
Autor: Carvalho, Jailton de; Franco, Bernardo Mello
Fonte: O Globo, 26/07/2009, O País, p. 3

Apesar das acusações da PF, aliados do presidente do Senado mantêm cargos-chave no governo

Jailton de Carvalho e Bernardo Mello Franco

BRASÍLIA As descobertas da Polícia Federal puseram em risco o cargo do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), mas não atingiram por completo o império político e financeiro do senador. Quase um ano após a divulgação de parte do conteúdo das denúncias de fraudes em licitações e desvios de recursos públicos, cinco dos principais investigados ¿ quatro deles vinculados ao grupo de Sarney ¿ mantêm-se em cargos estratégicos no governo federal: o ex-ministro Silas Rondeau, membro do Conselho de Administração da Petrobras; Astrogildo Quental, diretor Financeiro da Eletrobras; Ulisses Assad, diretor de Engenharia da Valec; e Fábio Lenza, um dos vice-presidentes da Caixa Econômica Federal.

Do grupo faz parte ainda Márcia da Silva Barros, auditora da Valec. O choque mais flagrante entre as conclusões da polícia e as decisões do governo está relacionado a Silas, membro do Conselho de Administração da Petrobras. Em 8 de abril deste ano, oito meses após a PF pedir a prisão do ex-ministro, Silas foi reeleito conselheiro da estatal, com o apoio dos representantes do governo na empresa. Silas é acusado de envolvimento com o grupo de Fernando Sarney, alvo central da operação da PF.

O grupo de Silas e Fernando é suspeito de direcionar licitações e desviar recursos públicos em obras nos setores elétrico e de transporte. O caso estava sob sigilo, mas boa parte do conteúdo do inquérito tem sido divulgada desde agosto do ano passado, quando os pedidos de prisão de Silas, Fernando e outros acusados chegaram à Justiça Federal no Maranhão. Relatório do Ministério Público, que ampara os pedidos de prisão, acusa Silas de usar laranjas para criar empresas de consultoria no setor de energia.

E-mails de Silas basearam acusação

As acusações, feitas pela procuradora Thayna Freire de Oliveira, estão baseadas em cópias de e-mails de Silas interceptados pela polícia com ordem judicial. Entre os papéis, estão mensagens trocadas entre o exministro José Antônio Sobrinho, representante da Engevix Engenharia, e Luiz Villar, suposto consultor. Nas trocas de mensagens aparecem minutas de contratos da Dualcon Consultoria e da RV 2 Consultoria. Para a polícia e o Ministério Público, Silas estaria por trás dessas empresas.

¿A celebração de contratos de consultoria, por si só, não é crime, no entanto, a constituição de empresa em nome de interpostas pessoas (laranjas) a fim de ocultar a titularidade de fato dessas empresas beneficiárias de contratos, além de ser crime, demonstra o animus do investigado Silas Rondeau em se manter anônimo frente a esses contratos¿, sustenta a procuradora.

Essas não são as primeiras acusações contra o ex-ministro. Em maio de 2007, Silas deixou o Ministério após ser acusado pela PF de receber propina do grupo de Zuleido Veras, alvo da Operação Navalha.

Astrogildo Quental, outro afilhado político de Sarney, também tem demonstrado resistência política. Mesmo depois de figurar na lista de investigados que, para a polícia, deveriam ser presos, Quental se mantém em plena atividade na diretoria financeira da Eletrobrás. Alheio ao turbilhão de acusações, viajou a Nova York semana passada em busca de capital externo para a estatal. Relatório da PF aponta o diretor como uma espécie de tesoureiro do grupo de Fernando. Ano passado, depois de conversas em código com Fernando, ele teria repassado a Marco Antônio Bogéa, ex-funcionário do Senado, uma mala com dinheiro.

Segundo a PF, os recursos teriam sido levados a São Paulo. ¿Quanto às provas constantes nos autos, além dos áudios, que são autoexplicativos, há ainda fotografias de Marco Bogéa encontrando com Astrogildo Quental e recebendo a mala, embarcando com a mala no aeroporto de Brasília, e a passagem aérea para São Paulo¿. Os relatórios da PF e do Ministério Público estão recheados de diálogos de Ulysses Assad, diretor de Engenharia da Valec. Para a polícia, ele seria um dos principais operadores dos negócios de Fernando Sarney relacionados à ferrovia Norte-Sul.

Tráfico de influência na Caixa Econômica

O respaldo do grupo de Fernando Sarney na Valec seria ainda extensivo à auditora Márcia da Silva Barros. Outra prova de resistência é Fábio Lenza, indicado por Sarney para uma das vice-presidências da Caixa. O relatório da PF mostra que, a mando de Fernando Sarney, ele participou de uma reunião na casa do senador em Brasília onde se acertou o patrocínio da Caixa a uma incorporadora que depositara R$ 4,2 milhões nas contas de Tereza Murad e Ana Clara Sarney (mulher e filha de Fernando). O relatório da PF diz que há ¿um claro crime de tráfico de influência¿ na relação entre Lenza e Fernando Sarney.

Procurado pelo GLOBO, o presidente da Petrobras, Sergio Gabrielli, disse, por meio da assessoria, que não é o responsável pela presença de Silas no Conselho de Administração da estatal.

¿Cabe aos acionistas da companhia, durante a assembléia geral, eleger os membros do Conselho de Administração para um mandato de um ano. O presidente da Petrobras não tem interferência nessa decisão de um órgão superior¿, diz a assessoria, em resposta à pergunta do jornal.

Charles Dias, advogado de Astrogildo Quental, disse que o cliente desconhece o conteúdo das acusações, mas está tranquilo.

¿ Ele não foi chamado para depor, não conhece todas as acusações. Mas está convicto de que não cometeu nenhum ato ilícito ¿ afirma Dias.

A assessoria de imprensa da Valec não retornou as ligações do jornal.

A assessoria da CEF disse que não conseguiu localizar Lenza.

Fernando Sarney e sua mulher, Tereza, já foram indiciados por lavagem de dinheiro e formação de quadrilha, entre outros crimes. Os demais ainda devem ser indiciados pela PF, já que o inquérito inicial foi desmembrado em quatro.