Título: A inclusão aumenta
Autor: Oliveto, Paloma
Fonte: Correio Braziliense, 08/03/2009, Brasil, p. 14

Censo do MEC mostra que 54% dos alunos com deficiência estão em salas de aula comuns, com os demais estudantes. Há 10 anos, índice era de 13%. Muitos professores, porém, ainda resistem à mudança.

Por ser portador de atrofia muscular, Lucas só conseguiu vaga na escola aos 9 anos. Hoje, é um dos melhores alunos do colégio Polivalente. Lucas Maciel da Rocha é um dos melhores alunos da escola. Aos 15 anos, o estudante da 7ª série é o campeão de xadrez do colégio Polivalente e já ganhou duas medalhas na Olimpíada Brasileira de Matemática, competição nacional entre alunos da rede pública. Mesmo com toda essa capacidade, ele só começou a vida escolar aos 9 anos, porque, segundo conta, a família não conseguia encontrar um colégio que o aceitasse. O motivo: portador de atrofia muscular, ele anda numa cadeira de rodas e não tem habilidade motora para escrever.

O preconceito contra alunos com deficiência, porém, começa a perder força nas salas de aula. Pelo menos é o que mostram os dados mais recentes do censo escolar feito pelo Ministério da Educação (MEC). De 2006 para 2007, o número de matrículas de estudantes deficientes em escolas comuns passou de 46,8% para 54%. Dez anos atrás, esse índice era de apenas 13%.

¿Estamos num momento positivo, o do acesso à educação. Nenhuma escola pode negar a matrícula a essas crianças. O acesso é o início de todo um processo de mudança¿, afirma a secretária de Educação Especial do MEC, Cláudia Pereira Dutra. Para ela, há duas questões importantes que precisam ser ressaltadas: o país avançou na legislação ¿ ao ratificar, no ano passado, a convenção das Nações Unidas para pessoas com deficiência ¿ e na estratégia de inclusão, a partir do momento em que ampliou a oferta do atendimento educacional especializado.

No fim de 2008, mais de 86% dos municípios brasileiros contavam com salas de recursos, onde, no contraturno escolar, o estudante recebe complementação do conteúdo. Nessas salas, há, por exemplo, materiais e equipamentos pedagógicos adaptados para as diversas necessidades educacionais, por isso, são chamadas de multifuncionais. Atualmente, há 5.501 salas de recursos no país, e a previsão do MEC é que, até dezembro, sejam implementadas mais 10 mil. No Distrito Federal, até dezembro passado, das 516 escolas, 380 possuíam salas de recurso. Existem, em Brasília, 7.866 estudantes com deficiência na rede pública. No Brasil, são 375,7 mil.

¿Ainda não saímos do discurso `não temos condições¿, mas não podemos aceitar mais essas respostas¿, diz Cláudia Dutra, referindo-se ao preparo adequado das escolas para atender alunos com deficiência. Para estimular a oferta de salas complementares, a partir do ano que vem, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) vai pagar, por aluno deficiente registrado no censo, o dobro do valor que desembolsa por estudante do ensino regular.

Sem preparo A maior parte das matrículas de pessoas com deficiência nas escolas comuns concentra-se na rede pública. Os alunos contam com livros em braile, em áudio e em formato digital. Todos os de nível médio que precisam do recurso recebem laptops. Ainda assim, as dificuldades de acesso físico são enormes. Somente 12,8% dos estabelecimentos possuem adaptações arquitetônicas. Apenas 7,5% têm banheiros especiais e 5,2% apresentam dependências que atendem às necessidades múltiplas dos estudantes.

Outro problema, aponta Lourdes Piantino, presidente da Associação de Mães em Movimento do Distrito Federal, é o desrespeito por parte dos professores. No ano passado, seu filho Lúcio, à época com 12 anos, ficou sem estudar depois de ser perseguido na escola. Ele é portador de síndrome de Down e foi vítima de preconceito e discriminação quando, ao passar para a 5ª série, foi matriculado num colégio público da Asa Norte. A professora da sala de recursos chegou a confessar a Lourdes que uma das professoras tinha medo do menino, achando que poderia ser mordida, mesmo que Lúcio jamais tenha apresentado sinais de agressividade. Ele também foi acusado injustamente pelos professores de roubar objetos de outros colegas.

Segundo Lourdes, o filho começou a chegar em casa deprimido e pediu para sair do colégio. ¿Ele adora estudar. Para fazer um pedido desse era porque realmente estava se sentindo muito mal¿, diz. Acostumada a lutar pela inclusão de pessoas com deficiência, Lourdes, que já escreveu um livro sobre o assunto e dá palestras em todo o país, tentou conversar com a diretoria e os professores, mas não foi bem atendida. Somente neste ano Lúcio voltou a estudar. Foi para o Ginásio da Asa Norte (Gan). ¿Lá, eles têm feito um trabalho muito bom¿, reconhece.

Ela diz que muitos professores usam como justificativa o fato de não estarem preparados para lidar com deficientes. De fato, as licenciaturas não possuem a disciplina de educação especial no currículo, embora, até 2015, todas terão de oferecer, pelo menos, aulas de língua brasileira de sinais (Libras), usada por deficientes auditivos. Mas, para Lourdes, a desculpa não vale. ¿Ninguém está preparado para nada. Você se prepara para ter um filho deficiente? Não. O mesmo tem de acontecer com os professores. Não falta preparo. Falta compromisso com os outros e com a educação¿, avalia.

Especialista em educação especial, o professor Cléber Villa Flor Santos tem oito anos de experiência na área e conta que, nas seis escolas onde já trabalhou, sempre encontrou colegas que não se comprometiam com a inclusão. Cléber se considera privilegiado por trabalhar hoje no Polivalente, onde atende 31 adolescentes com as mais diversas deficiências, incluindo físicas e mentais. Ele é o responsável pela sala de apoio do colégio e diz que todos os professores da escola, mesmo aqueles sem curso de especialização na área, se esforçam para atender adequadamente os estudantes. ¿É um desafio, mas, se tiver interesse, o professor descobre que consegue fazer um bom trabalho¿, diz.