Título: Retrocesso no pré-sal
Autor: Dornelles, Francisco
Fonte: O Globo, 06/08/2009, Opinião, p. 7

A concessão adotada pela legislação brasileira é o regime da eficiência e da transparência que faz do Estado brasileiro sócio oculto e privilegiado na exploração do petróleo, participando dos resultados sem desgaste administrativo e risco de prejuízo.

Os contratos de partilha da produção que se pretende para o pré-sal são adotados em países que não dispõem de um regime fiscal ou tributário adequado; exigem a criação de uma empresa estatal, com a finalidade de contratar e fiscalizar as atividades de exploração e produção de petróleo; não oferecem transparência, uma vez que a contratação de bens e serviços é objeto de negociações posteriores; não propiciam ganhos de eficiência ou de otimização por parte dos operadores.

Pelo modelo de partilha os custos que a empresa tem para explorar e extrair o petróleo são inteiramente ressarcidos pelo governo. No modelo de concessão, os custos são integralmente assumidos pelo investidor.

A adoção do modelo dos contratos de partilha exigirá mudanças legislativas e prolongada discussão no Congresso.

Ao se abrir a discussão legislativa, um clima de incerteza e insegurança pode paralisar os investimentos em prospecção e produção, desmobilizar as decisões administrativas, retardar o início das operações do pré-sal, com enorme perda de receita para todos.

O modelo da concessão, em vigor, permitiu dobrar a produção de petróleo em dez anos. Nossa produção subiu de 900 mil barris por dia em 1997 para mais de 1,9 milhão de barris em 2008.

Permitiu, também, a atração de investimentos de empresas privadas, nacionais e estrangeiras ¿ e foram estes investimentos que levaram ao aumento da produção, da produtividade e da lucratividade de nossas reservas.

O poder público pode obter pelo regime de concessão praticamente a mesma remuneração que no sistema de partilha. O bônus de assinatura, cuja arrecadação variou entre R$ 322 milhões em 1999 e R$ 2 bilhões em 2008, e cuja receita está sendo totalmente destinada à União, será enormemente ampliado em decorrência da diminuição de risco. A participação especial hoje cobrada com isenção de até 450.000 m3 e progressividade de até 40% poderia ser, em relação aos novos campos, ampliada.

Assim, por decreto específico, sem necessidade de modificação na lei, ou criação de nova empresa, ou adoção de critério de partilha, o poder público pode ter participação aumentada na exploração das reservas do pré-sal, pela cobrança maior das empresas que viessem a explorar um novo campo.

O Estado pode por meio de concessão, ter o controle absoluto sobre a exportação do pré-sal, estabelecendo até mesmo regras referentes à política industrial e à exportação. Esse aspecto afasta a preocupação de alguns de o país tornar-se apenas exportador de petróleo bruto, sem beneficiá-lo.

As mudanças anunciadas para os royalties e participação especial do pré-sal devem ser analisadas dentro do quadro constitucional. O inciso 1odo artigo 20 da Constituição assegura a participação dos estados e municípios no resultado da exploração do petróleo nos respectivos territórios, plataforma continental e mar territorial.

O que a norma estabelece é uma espécie de compensação, ou participação, aos estados e municípios cujos territórios sejam afetados pela exploração de recursos contidos naqueles bens da titularidade da União. As receitas dessa compensação ou participação são originárias do ente estatal que é compensado, e não receitas originárias da União. O artigo tem objetivo desconcentrador.

Centraliza a propriedade dos bens e descentraliza o resultado de sua exploração. Como os estados e municípios onde os bens em questão se situam (ou com os quais há relação de contiguidade) não podem explorá-los economicamente, embora sofram con sequências negativas resultantes da exploração e despendam recursos em função dela, a Constituição prevê a participação desses entes nos resultados econômicos ou correspondente compensação financeira.

Não é possível mediante projeto de lei vedar aos estados e municípios produtores a compensação ou participação financeira prevista no art. 20, §1oda Constituição, pois tal vedação é incompatível com o referido dispositivo.

A proposta que vem sendo anunciada pelo Governo de substituir o regime transparente e eficaz da concessão pelo regime burocratizado da partilha, inclusive com a criação mais uma empresa estatal, constitui um enorme retrocesso na política em vigor no país para a exploração do petróleo.

Vedar através de lei a participação dos estados e municípios no resultado da exploração do petróleo na plataforma continental ou mar territorial, além de inconstitucional, constituirá a maior agressão jamais feita pelo governo federal contra o Estado do Rio de Janeiro, que é o maior produtor de petróleo do país

FRANCISCO DORNELLES é senador (PP-RJ).