Título: O inexplicável
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Fonte: O Globo, 07/08/2009, Opinião, p. 6

A patética defesa apresentada pelo presidente do Senado, José Sarney, no plenário da Casa, na quarta-feira, e o início da encenação da farsa montada no Conselho de Ética (sic) para recusar sem qualquer investigação as denúncias e representações contra o político maranhense são mais um ato da operação político-eleitoral do Planalto, cujo desfecho será a incineração do Senado como instituição em nome do projeto lulista para 2010.

Apesar da assessoria advocatícia com a qual contou, a defesa de Sarney das acusações de nepotismo foi de gritante fragilidade. Ontem, o senador disse que um dos nomeados que afirmara não conhecer não seria o genro do ex-diretor-geral da Casa Agaciel Maia, Rodrigo Cruz, ao casamento de quem compareceu e do qual foi até mesmo padrinho. Seria um homônimo. Mas, mesmo que o caso seja esclarecido a favor de Sarney, persistirão muitas histórias indefensáveis ao seu redor.

Ficou, ainda, demonstrado o entendimento especial que Sarney tem de ética pública. De toda a explanação feita conclui-se que o senador nada vê de errado na contratação de parentes e aparentados por gabinetes de afilhados políticos. O nepotismo, e não apenas no caso do senador, segue em paralelo ao patrimonialismo - a apropriação privada de recursos públicos. Em nenhum momento foi cogitado pelo clã empregar parentes e apadrinhados nas próprias empresas. Restou ao contribuinte pagar a conta dos gestos de boa vontade do senador.

E repetiram-se contorcionismos como o de desqualificar delitos por causa da sua repetição --- como se a absolvição dependesse do crime continuado ----, e o surrado costume de acusar a imprensa profissional, na tentativa de encobrir fatos concretos. O presidente do Conselho de Ética (sic), o senador sem voto Paulo Duque (PMDB-RJ), nomeado por Renan Calheiros (PMDB-AL), arquivou, numa penada, três denúncias e uma representação contra Sarney. Nenhuma surpresa. As seis ações restantes tomarão o mesmo caminho.

Em situação cada vez mais difícil fica a bancada do PT no Senado - no discurso, a favor do pedido de licença do presidente; na prática, tolhida sob a mão pesada do Planalto. Terá difícil missão quem tentar reeleger-se no ano que vem, como Aloizio Mercadante (SP).

Já Sarney tende a reproduzir no Senado a figura de presidente americano em fase de "pato manco", quando ele se torna figura decorativa em final de mandato. No caso do presidente do Senado brasileiro, em função da gigantesca impopularidade diante do desfecho provável da crise, em que o inexplicável não será mesmo explicado.