Título: Pouso forçado
Autor: Rodrigues, Lino
Fonte: O Globo, 08/08/2009, Economia, p. 29

Com crise na Embraer, fornecedores passam a vender para ônibus e shoppings

Enviado especial

SÃO JOSÉ DOS CAMPOS

A crise que atinge a Embraer desde o fim do ano passado acabou abatendo, em pleno voo, boa parte dos seus fornecedores instalados na região de São José dos Campos, no interior paulista, e que ainda tem como principal cliente o terceiro maior fabricante de jatos comerciais do mundo. São cerca de 63 empresas que, para sobreviver, estão à procura de novos contratos para diversificar a linha de produção. A dificuldade para pagar a folha de pessoal está levando muitos desses fabricantes a utilizar a tecnologia de ponta que empregam na indústria aeroespacial para produzir, por exemplo, quiosques para shoppings, acessórios para ônibus e para o setor de petróleo e gás (segmento que começa a ganhar espaço na região com os investimentos da Petrobras).

Mas essa diversificação é feita com certa discrição, pois existe um compromisso de que 70% da capacidade de produção dos fornecedores parceiros têm que ficar reservada para a Embraer. Do contrário, dizem os fabricantes, correm o risco de descredenciamento. Procurada, a Embraer não quis comentar o assunto. Por isso, são poucos os que se arriscam a falar, e os que se dispõem a contar o que está acontecendo pedem para não ter os nomes citados.

Se tiver que morrer, morremos calados ¿ resume um empresário, dono de uma das grandes fornecedoras de peças para a Embraer.

Encomendas caem 60% e empresas demitem 2 mil

Embora a Embraer tenha melhorado seu balanço no segundo trimestre (lucro 31% superior ao mesmo período de 2008), seus fornecedores mergulharam ainda mais na crise nos últimos meses. Com redução de mais 60% nos pedidos firmados com a Embraer, as 63 empresas, que empregavam cerca de cinco mil pessoas e chegaram a faturar R$ 300 milhões por ano, tiveram que encolher. Metade dos trabalhadores (quase 2.500) já foi dispensada. O restante ainda corre o risco de perder o emprego. E o faturamento anual do setor caiu a menos da metade, para um intervalo entre R$ 100 milhões e R$ 150 milhões.

Desde 2007, com a expansão das encomendas de aeronaves, os fornecedores credenciados de peças e componentes tiveram de fazer investimentos pesados para aumentar a produção. Boa parte do crescimento, exigida pela Embraer, foi financiada por empréstimos bancários. Hoje, as novas máquinas estão paradas ou subutilizadas, os bancos ameaçam executar as dívidas e muitas empresas deixaram de recolher impostos. Um dos fabricantes de peças, que também pediu para não ser identificado, disse que as encomendas da Embraer caíram 90%, de 40 mil peças por mês para apenas quatro mil unidades. Segundo a representação local do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp), isso é reflexo direto da redução na produção mensal de aeronaves da Embraer, de 17 para cerca de dez.

Também continua indefinida a situação dos mais de quatro mil funcionários demitidos pela Embraer no início do ano. Luiz Henrique Brito da Costa, de 31 anos, desde que foi dispensado, em 19 de fevereiro, está sobrevivendo graças à parcela mensal do seguro-desemprego, que acaba em dois meses, e à ajuda de familiares. Ele diz que não poderia ser demitido porque estava com uma doença crônica no joelho direito, que o próprio médico contratado pela Embraer para fazer o exame demissional teria constatado: Já perdi novas chances em duas empresas por causa do joelho. Fiz todos os testes, mas fui recusado.

Após seis meses sem saber o que fazer, Júlio Cesar da Silva, que trabalhou por 20 anos na empresa como operador de máquinas de usinagem e foi demitido em fevereiro, alugou um ponto e montou um pequeno bar na periferia de São José dos Campos. Segundo ele, o padrão de vida de sua família caiu 60%.

A alta de 31% no lucro da Embraer no segundo trimestre, para R$ 466,9 milhões, divulgada na semana passada, surpreendeu analistas. Essa melhora foi em parte reflexo de créditos tributários e previdenciários, de R$ 162,3 milhões no trimestre. Pesaram também os programas de redução de custos adotados em diferentes áreas, o que incluiu a demissão de 4.270 empregados, ou 20% da folha, ainda no primeiro trimestre.