Título: Bancos com air bag duplo
Autor: Novo, Aguinaldo
Fonte: O Globo, 10/08/2009, Economia, p. 13

Teste da Moody"s mostra que instituições financeiras brasileiras suportariam piora radical na economia

SÃO PAULO

Os bancos brasileiros passaram com louvor por um ¿teste de estresse¿ realizado pela Moody¿s. A agência de classificação de risco considerou os balanços publicados em março por uma amostra de 37 instituições, incluindo as maiores em operação no país. Dessa amostra, 25 continuaram a apresentar um índice de Basiléia ¿ indicador de solvência dos bancos, resultado da relação entre o capital da instituição e o volume de empréstimos concedidos ¿ acima de 11%, patamar mínimo exigido pelo Banco Central (BC). Mesmo no caso dos outros 12, o resultado foi positivo: eles terminaram com índices ainda acima dos 8% recomendados internacionalmente.

O que a Moody¿s fez foi medir o comportamento desses bancos num cenário de mudança radical das condições econômicas. O ¿cenário extremo¿ traçado foi de perda de até 5% dos empréstimos e de queda da receita por quatro trimestres seguidos. Teste semelhante foi feito em maio pelo governo dos Estados Unidos ¿ de onde surgiu o termo ¿teste de estresse¿ ¿ e o resultado foi muito ruim: em caso de agravamento do quadro, com retração da economia de 3,3% este ano, desemprego de 10,3% e queda de 22% nos preços de imóveis, os 19 maiores bancos americanos terão perdas de US$ 600 bilhões em 2009 e 2010, o equivalente a 9,1% de sua carteira total de empréstimos. O Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) determinou que, do total, dez instituições elevassem seu capital em US$ 74,6 bilhões.

¿ O teste mostrou que os bancos brasileiros estão muito bem capitalizados.

Poderiam suportar cenários de maior deterioração ¿ afirmou Ceres Lisboa, analista sênior de bancos da Moody¿s.

Com os altos juros cobrados no Brasil e a crescente receita com tarifas de serviços, os bancos vinham acumulando lucros recordes nos últimos anos. Este ano, como resultado do aumento da inadimplência, os primeiros balanços fechados no semestre trazem forte aumento do saldo das provisões contra devedores duvidosos, espécie de reserva para cobrir perdas com calote. No Bradesco, segundo maior banco privado do país, essa despesa cresceu 60,3%, de R$ 8,65 bilhões em junho de 2008 para R$ 13,87 bilhões. No Santander Real e no BMG, as variações chegam a 52,2% e 57,8%, respectivamente. Os bancos admitem as perdas, mas dizem que a sinalização já é de estabilidade da inadimplência, diante da retomada da economia. Ceres concorda, mas diz que ainda não há espaço para ¿euforia¿.

Sem problemas em suas contas, os grandes bancos privados buscam agora novas estratégias para elevar suas receitas. Não há mais possibilidade de novas grandes fusões, após a união de Itaú e Unibanco.

Assim, cresceu o interesse por aquisições ou parcerias em segmentos específicos, como cartões e seguros, que têm apresentado resultados crescentes e ainda não passaram por uma concentração. Também se quer ampliar o número de produtos consumidos pelos atuais clientes, como conta corrente, cheque especial ou empréstimo. A meta, segundo consultores, é dobrar essa relação, que hoje é de quatro produtos.

¿ É como se estivéssemos num jogo de xadrez, e não existisse mais no tabuleiro os peões, a torre ou cavalos. Temos o rei e a rainha e alguns bispos. Não há como ter xequemate, mas o jogo continua ¿ compara o diretor-executivo da Fitch Ratings no Brasil, Rafael Guedes.

Empresas buscam novos nichos

Segundo ele, um ambiente de maior concorrência poderia levar à compra de bancos médios pelos líderes do setor, mas isso não mudaria a estrutura do mercado.

Há cerca de quatro meses, o Bradesco iniciou negociações com o controlador da seguradora Porto Seguro, Jayme Garfinkel. O objetivo declarado era uma parceria na área de automóveis, mas na semana passada surgiram rumores de que o Bradesco teria fechado a compra de toda a seguradora ¿ o que não foi confirmado pelas empresas. O balanço do Bradesco dá uma pista de tanto interesse: os negócios na área de seguros responderam por 35% dos resultados do banco no primeiro semestre.

Há pouco menos de dois meses, o Bradesco pagou R$ 1,4 bilhão pelo Banco ibi, o que abriu caminho para a venda de novos produtos. Ao examinar a contabilidade da instituição, o Bradesco descobriu que cerca de 9 milhões de clientes da C&A, controlada pelo Grupo ibi, não têm conta corrente em banco. É quase a metade dos atuais correntistas do Bradesco. E, ao incorporar a base de 31 milhões de cartões do ibi, o banco se tornou líder no segmento de cartões.

¿ A liderança não é uma obsessão ¿ afirmou o presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, ao apresentar os resultados do semestre, há uma semana.

Mais agressivo entre os bancos estrangeiros em operação no país, o Santander vai colocar à venda até 15% do seu capital social, ou cerca de R$ 7 bilhões. O dinheiro obtido com a oferta, prevista para setembro, será usado na abertura de agências (hoje são duas mil, e a meta é ter mais 600 até 2013) e para aumentar sua participação nas áreas de seguros e financiamento imobiliário.

De cada US$ 2 emprestados pela matriz espanhola, metade vai para a área imobiliária. No Brasil, essa relação ainda é pouco superior a 5%.

¿ Queremos crescer tanto quanto pudermos ¿ disse ao GLOBO o presidente do banco no Brasil, Fábio Barbosa.

Segundo os consultores, a movimentação também reflete a maior pressão exercida pelas instituições públicas.

Com uma carteira somada de R$ 533,5 bilhões, Itaú-Unibanco, Bradesco e Santander respondem por 47,24% dos empréstimos até março. Os três têm 46,57% dos ativos totais do sistema e 46,73% do patrimônio líquido, segundo a Austin Rating. Mas, no auge da crise global, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica aumentaram sua participação no crédito em quatro pontos percentuais nos últimos 12 meses, enquanto a dos privados caiu três pontos, segundo dados do Banco Central.

¿ O grande desafio dos bancos será buscar maior eficiência, novos nichos de negócios e enfrentar as condições colocadas pelos concorrentes ¿ diz Barbosa.