Título: Abençoador: Senhor Jesus Cristo
Autor: Barbosa, Adauri Antunes; Freire, Flávio
Fonte: O Globo, 12/08/2009, O País, p. 3

"Diziam que é pela oferta que se demonstra a fé", conta ex-fiel; família o interditou e foi à Justiça

BELO HORIZONTE. ¿Trazei todos os dízimos à casa do tesouro, para que haja mantimento na minha casa; e provai-me nisto, diz o Senhor dos Exércitos, se eu não vos abrir as janelas do céu e não derramar sobre vós bênção sem medida¿. A citação do livro de Malaquias é a mensagem impressa no ¿Diploma de Dizimista¿, assinado por ninguém menos que Jesus Cristo. O certificado é um dos guardados do porteiro aposentado Edson Luiz de Melo, de 45 anos, ex-fiel da Igreja Universal do Reino de Deus em Belo Horizonte, no meio de uma sacola cheia de cajados, arcas, taças, óleos para banho de descarrego e uma infinidade de objetos de carga simbólica. Foram cinco anos de contribuição, que, nas palavras de familiares, o levaram à falência e à loucura.

De 1996 a 2001, Edson Luiz frequentou o templo da Universal no Centro de Belo Horizonte.

Passava pelo local a caminho do trabalho e um dia, curioso, entrou para ver. Só saiu cinco anos depois, quando a mãe, a pensionista Dulce da Conceição Melo, de 65, resolveu interditá-lo na Justiça para que parasse de entregar tudo o que tinha no altar. E ajuizar ação cobrando restituição financeira e indenização pelos danos morais.

Portador de sofrimento mental, o porteiro fazia doações de 15% do salário, além de ofertas. Segundo a família, também entregava vales-refeição e transporte. Até uma chácara foi vendida, por R$ 5.390, e o cheque teria sido levado aos pastores.

¿ Diziam que é pela oferta que se demonstra a fé. E que, quanto mais fé, mais Deus recompensa ¿ justifica o porteiro, afastado da religião. ¿ Queria cura para depressão e a insônia, sonhava com uma esposa, mas nada veio. Sinto imensa decepção com a igreja, mas continuo acreditando Nele ¿ desabafa.

A ação proposta pelo advogado Walter Soares Oliveira foi vencida em primeira e segunda instâncias.

A Justiça condenou a Universal a pagar indenização, além de restituição pelo que o porteiro pagou ¿ e que, nas contas do advogado, pode chegar a R$ 30 mil.

¿ O dinheiro ainda não foi pago, porque a igreja apresentou embargos.

Argumentei e provei que houve exploração da boa fé do rapaz ¿ afirma Oliveira, que requisitou fotocópias e outros documentos bancários para fundamentar a ação.

Para pagar as dívidas do filho, Dulce teve que fazer outras tantas, cujas prestações comprometem boa parte dos rendimentos. E as despesas aumentaram, sobretudo com os remédios.

¿ Parte dos cheques pagou churrascaria, posto de gasolina e despesas do pessoal da igreja.

O restante foi para a conta da Universal. Era normal entregar o cheque como garantia e, no dia do pagamento, resgatá-lo com o dinheiro que acabava de receber. Eles enriqueceram e ficamos aqui, endividados ¿ conta a mãe de Edson.