Título: Dinheiro em troca de bênçãos
Autor: Barbosa, Adauri Antunes; Freire, Flávio
Fonte: O Globo, 12/08/2009, O País, p. 3

SÃO PAULO

Um diploma assinado por Jesus Cristo e uma chave do céu estão entre os ¿prêmios¿ entregues a fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus explorados em sua fé. Pastores chegavam a dizer que aqueles que amam Jesus deveriam pôr a chave de seus carros nas sacolinhas que circulam pelos tempos, de acordo com denúncia do Ministério Público Estadual (MPE) de São Paulo, aceita anteontem pelo juiz da 9aVara Criminal da capital, Gláucio Roberto Brittes de Araújo. Tornaramse réus o bispo Edir Macedo, fundador e chefe da Universal, e mais nove membros da igreja.

As investigações encontraram casos como o do fiel Edson Luiz de Melo, que entrou na Justiça para reaver o que, segundo ele, tinha sido induzido a doar à Universal. A igreja foi condenada pelo Tribunal de Justiça de Minas a devolver todas as doações feitas por Edson Luiz, que é portador de enfermidade mental. Desde que passou a frequentar a igreja, em 1996, ele seria induzido a participar de reuniões precedidas de contribuições.

Maria Moreira de Pinho, obreira da Universal no bairro paulistano do Brás, teria perdido R$ 30 mil. ¿Durante o período em que frequentou a Igreja Universal do Reino de Deus, a vítima ouviu pessoalmente dos pastores, inclusive do próprio Edir Macedo, a afirmação de que os fiéis deviam fazer ofertas além do próprio dízimo, pois somente assim seriam abençoados.

Ela pôde presenciar fiéis sendo humilhados por pastores da Igreja, já que eram constrangidos a efetuarem doações substanciais como única forma de atingirem seus objetivos pessoais¿, segundo a denúncia aceita pelo juiz.

Maria teria feito doações por quase dez anos à Universal, entregando 10% de seus ganhos mensais. Vendeu um imóvel e doou parte do dinheiro à Universal, acreditando que seria recompensada e que o dinheiro seria empregado em obras de caridade, o que nunca aconteceu. Ela entrou com ação na Justiça.

¿Peça, peça, peça! E quem quiser dar, dá¿

De acordo com a denúncia, o bispo Edir Macedo, utilizando-se da Igreja Universal do Reino de Deus, criou com os demais denunciados um sistema de arrecadação de dinheiro junto aos fiéis baseado em falsas curas milagrosas e depoimentos forjados, dentre outras promessas de soluções para todos os males. Em discurso gravado em vídeo em 1992, citado na denúncia, o chefe da Universal diz a pastores: ¿Você não pode nunca ter vergonha, não pode ter timidez... Peça, peça, peça! E quem quiser dar, dá, quem não quiser não dá. E se tiver alguém que não dê, tem um montão que vai dar¿.

Outra vítima citada é Gláucio Verdi, que frequentou a Universal por mais de um ano, em São José dos Campos (SP). Verdi presenciou pastores afirmando que só com doações os fiéis seriam abençoados.

Ele relatou que, no período em que frequentou a Igreja Universal, pastores diziam que somente através de doações os fiéis seriam abençoados. Ouviu dos bispos mensagens como ¿quem ama Jesus ponha as chaves do carro nesta sacola¿ e ¿deixem o dinheiro do aluguel na igreja porque se entregue ao locador certamente será utilizado em pornografia¿.

O pastor Marcos Paulo Borges, de São Paulo, de acordo com as investigações, obteve vantagem ilícita de R$ 3 mil em prejuízo da vítima Simone Vitório. Conforme a denúncia, o pastor foi acusado de estelionato por ter convencido a cabeleireira a doar o dinheiro durante a campanha Fogueira Santa de Israel ¿ que pede doações de alto valor¿, em troca de bênção para curar as dificuldades enfrentadas pela sua família.

Simone teria sacado R$ 2,8 mil da poupança mantida pelo marido e R$ 200 de um valor reservado para o aluguel, entregando tudo ao pastor. O marido então exigiu que a mulher recuperasse o dinheiro, que o casal economizava há mais de dois anos. Como não conseguiu reaver o dinheiro, Simone levou o caso à polícia.

Em setembro de 2007, a Justiça de São Paulo condenou a Universal a devolver a doação de R$ 2 mil feita pelo motorista Luciano Rodrigo Spadacio, considerado ¿um fiel arrependido¿ do interior de São Paulo. O Tribunal de Justiça paulista decidiu que Luciano fora convencido a fazer o que não queria, com a promessa de que sua situação financeira melhoraria se entregasse o que tinha à Igreja, segundo a apuração dos promotores.

Outra condenação da Universal relacionada na denúncia envolve a restituição de um carro e o pagamento de indenização de R$ 10 mil a Gilmosa dos Santos, de Goiânia. Segundo o processo, depois da morte de seu marido, em 2005, a filha do casal entrou em depressão e passou a frequentar cultos da Universal. ¿Com o tempo, a moça começou a ser pressionada pelo pastor e fazer doações¿, diz a denúncia.

¿A promessa do religioso era de que as recompensas viriam em dobro.

Edilene vendeu seus utensílios domésticos, móveis e até a cama onde dormia para dar dinheiro à igreja.

A doação seguinte foi o carro da mãe, que assinou o documento achando que o automóvel seria vendido¿, diz a denúncia aceita pela Justiça.

Na sentença, o juiz Jeová Sardinha de Moraes, de Goiânia, determinou que o carro fosse imediatamente restituído, além de fixar indenização de R$ 10 mil por danos morais.