Título: Queremos uma saída política
Autor:
Fonte: O Globo, 14/08/2009, O Mundo, p. 26

Alfonso Cano nega que as Farc tenham ligação com Chávez

ENTREVISTA Alfonso Cano

BOGOTÁ. Alfonso Cano assumiu o comando geral das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia em março de 2008, após a morte do líder histórico da guerrilha, Manuel Marulanda.

Ele lidera o grupo no momento em que este está acuado, mas ainda resiste.

Cano afirmou pela primeira vez que a guerrilha está disposta a negociar com o presidente Uribe para encontrar uma ¿solução política para o conflito¿. Ele concedeu sua primeira entrevista à revista colombiana ¿Cambio¿, que afirmou ter conversado com o líder guerrilheiro pela internet

Da revista Cambio* Depois que o presidente Uribe suspendeu a mediação do presidente Chávez na libertação de sequestrados, as Farc continuaram tendo contatos com o governo venezuelano? ALFONSO CANO: Não. Retirado o presidente Chávez como facilitador do processo, cessaram nossas conversas, mas nossa admiração pelos objetivos bolivarianos do governo venezuelano é a mesma de sempre, e nossa gratidão por seus esforços a favor de um acordo humanitário é perene.

Reconhece que o governo Uribe isolou as Farc no plano internacional? CANO: Enquanto se desenvolveram os diálogos de Caguán (1999-2002) ampliamos as relações com governos e organizações nos diferentes continentes. Desfeito o diálogo, o governo Pastrana e a Casa Branca realizaram uma ofensiva diplomática contra as Farc que, obviamente, gerou modificações nas formas de nos relacionarmos com a comunidade internacional. Mas mantemos relações em todo o mundo.

O que significam Venezuela e Equa

dor dentro de sua estratégia política? CANO: É o sonho bolivariano de uma pátria grande que integre todos os povos da América Latina e do Caribe, que desate seu potencial de modo soberano e nos posicione diante do mundo como uma grande nação.

l Que efeitos teve a morte de Raúl Reyes para suas relações externas? CANO: Raúl era o responsável pelas relações internacionais das Farc, e obviamente sua morte teve um impacto importante. Mas, uma vez que nas Farc todos os trabalhos da direção são analisados e planejados em equipe, recuperamos o ritmo.

A apreensão dos computadores de Reyes os colocou à mostra, praticamente sem segredos...

CANO: Com os supostos computadores de Raúl, o que foi apresentado foi uma grosseira manipulação propagandística dos governos de Colômbia e EUA: como uma cortina de fumaça ou para subir pontos nas pesquisas, ou para difundir suspeitas públicas sobre um presidente de um país vizinho cada vez que considerado necessário. Nada o que foi atribuído aos computadores é sério.

Também há comunicações entre membros das Farc e pessoas do Gabinete do presidente Lula, do Brasil.

Qual é a relação com esse governo? CANO: Na época do processo de Caguán, participaram de diferentes formas muitos governos e organizações da comunidade internacional. O resto são especulações irresponsáveis.

Quanto foi o investimento na campanha de Rafael Correa mencionado por Mono Jojoy num vídeo? CANO: Não entregamos nem armas nem dinheiro a governos ou organizações de outros países, pois o que conseguimos só dá para nós. Por que contribuiríamos para uma campanha de uma pessoa como Rafael Correa, que sequer conhecemos? Como terminaram nas mãos das Farc as armas suecas vendidas para a Venezuela? CANO: Uribe recorreu ao terror midiático para insinuar que a Venezuela nos deu lança-foguetes que capturamos há tempos num enfrentamento militar na fronteira, o que foi amplamente informado na época.

O que significou a mor te de Manuel Marulanda? CANO: A ausência de nosso líder e guia.

Mas também do mestre que nos ensinou a decisão irrevogável de perdurar na luta.

O que significou a operação que libertou Ingrid Betancourt e outros? CANO: Um fato de guerra como tantos outros, e de especial impacto. Um golpe possível graças a uma traição, e com a direção de americanos e israelenses. Há alguma chance de negociação ou diálogo com o governo Uribe? CANO: Uma saída civilizada para o conflito não pode depender da vontade de uma pessoa, por poderosa que seja. Assim, independentemente de quem ocupe a Presidência, persistiremos em buscar saídas políticas para o conflito.

*A revista ¿Cambio¿ pertence ao jornal ¿El Tiempo¿, do Grupo de Diários América.