Título: De creme rinse e TV a iPhone e computador
Autor: Xexéo, Artur
Fonte: O Globo, 16/08/2009, Economia, p. 30

Há 40 anos, cosméticos importados davam status e televisão era um sonho de consumo

RICARDO VILLAR lembra que, na época, o sonho era ter Fusca ou Gordini: hoje sonhos são angustiantes

A casa própria continua a ser o sonho de consumo de muitos brasileiros. Mas, há 40 anos, havia outros desejos, como o telefone e o carro. Viajar para fora do país era um luxo restrito à classe com maior poder aquisitivo. A alimentação ¿ mais cara ¿ correspondia a um terço dos gastos das famílias. Hoje, é menos de um quarto. E um dos símbolos de status daquele brasileiro que vestia calça boca de sino era a televisão. Hoje, vende-se no país mais computador do que TV. Os tempos são outros.

No cenário do consumo de quatro décadas atrás, o crédito era restrito; a inflação girava na casa dos dois dígitos; indústria nacional estava sem vigor; e a economia brasileira era muito fechada para outros países. Havia, portanto, poucas opções de escolha para o consumidor.

¿ O processo de globalização e abertura da economia brasileira transformou os hábitos de consumo do país. As famílias compravam, nesse período, apenas o essencial ¿ afirma Newton Gimenez, diretor da consultoria Target.

Consumo de feijão caiu de 14,69kg para 9,22kg anuais

Uma das grandes mudanças foi a alocação dos recursos pelas famílias. Em 1974/75, a habitação (30,41%) pesava menos do que a alimentação (33,91%) nos gastos das famílias. Em 2003, essas despesas eram respectivamente 35,50% e 20,75%.

A entrada da mulher no mercado de trabalho contribuiu para alterar os hábitos de consumo da população. Um dos efeitos recai sobre a alimentação. Segundo o IBGE, o consumo dos alimentos preparados passou de 1,7 kg para 5,4 kg anuais per capita, de 1974/75 a 2002/2003.

¿ Há 40 anos, a mulher se orgulhava de alimentar sua família. Comprar comida pronta era uma frustração. Hoje, isso é bem diferente. A falta de tempo faz com que as pessoas queiram as coisas bem práticas ¿ acrescenta Gimenez.

Houve mais mudanças na alimentação. O brasileiro reduziu o consumo per capita de itens tradicionais como arroz (31,57 kg para 17,1kg anuais), feijão (14,69kg para 9,22kg), batata (13,41kg para 5,46kg), pão (22,95kg para 17,81kg) e açúcar (15,79kg para 8,26kg), e passou a comprar mais refrigerante de guaraná (1,29 litro para 7,65 litros) e iogurte (0,36 kg para 2,91kg).

Segundo o especialista em varejo Marco Quintarelli, o brasileiro da década de 70 tinha o hábito de fazer compras de mês, estocando em casa. Na lista de compras, o básico.

¿ Hoje as compras são semanais. Não é só. A estrutura familiar mudou: existem hoje famílias mononucleares e são raras famílias com muitos filhos. Naquela época, não havia espaço para excesso ¿ disse o consultor, lembrando que cosméticos importados tinham prestígio. ¿ O básico era sabonete, xampu e creme rinse.

O acesso a crédito ¿ aliado a avanço na renda e estabilização de preços ¿ permite hoje que a classe C tenha carro, celular e viaje de avião. Fatos inimagináveis no passado.

¿ Viajar era para poucos. Era o acontecimento. Tanto que as mulheres iam de salto ¿ lembra a antropóloga Lívia Barbosa, professora da ESPM.

Lívia acrescenta que, há 40 anos, havia menos opções para tudo. Inclusive para o lazer. Cinema era o programa ¿ e não mais um programa do fim de semana. Havia ainda festas e domingueiras onde era servida a famosa cuba libre.

Hoje, para muitos especialistas, o consumo ficou exacerbado. Não se quer apenas um celular, mas um aparelho de última geração, que faça fotos, filme, mande mensagens, conecte com o mundo. O iPhone é o grande exemplo. Uma espécie de ambição de consumo.

¿ A grande vedete hoje são os aparelhos tecnológicos. Em 1969, computador inexistia no Brasil. No máximo, a fita cassete ¿ diz Gimenez.

Para o arquiteto Ricardo Villar, 59 anos, o sonho de consumo era ter um Fusca ou um Gordini. Usava calça boca de sino, comprava rum e tinha vinis.

¿ Hoje, os sonhos são mais angustiantes. As pessoas precisam de muitas coisas materiais para serem felizes. No passado, você se contentava com uma cuba libre ¿ recorda Villar, nostálgico.