Título: Abrir o pacote
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Fonte: O Globo, 18/08/2009, Opinião, p. 6

A sucessão de escândalos ocorridos no Congresso ¿ desmandos na emissão de passagens aéreas, os casos em torno de José Sarney ¿ não é negativa para o país apenas porque atinge um dos pilares da democracia representativa.

Também é ruim pois paralisa a agenda de votações e atrapalha o Parlamento numa função vital, a fiscalização do Executivo.

O Diário Oficial de quarta-feira passada, por exemplo, informou que cada submarino francês da classe ¿Scorpène¿, incluído num grande acordo prestes a ser assinado por Lula e Sarkozy, custará um bilhão de euros, mais de duas vezes a proposta feita pela Alemanha, fornecedora atual do Brasil, como noticiou O GLOBO de sábado.

Em longa nota, a Marinha rejeitou a comparação e defendeu o acordo, um ambicioso pacote por meio do qual o Brasil deseja dominar a tecnologia de construção de casco de submarino nuclear. Para equipá-lo, há anos um reator é desenvolvido em Aramar, perto de Sorocaba, em São Paulo.

Seja como for, sem chamar muita atenção, tramita um acordo bilionário (6,8 bilhões de euros, quase R$ 20 bilhões), prevendo a compra de quatro submarinos convencionais, de propulsão diesel-elétrica, quando a Marinha tem uma parceria com a empresa alemã HDW para construir essas embarcações. Uma veio da Alemanha e quatro já foram montadas no Arsenal, na Baía de Guanabara. Mudar de fornecedor significa duplicar a logística de manutenção, custo adicional a ser arcado pelos contribuintes, por óbvio.

A Marinha, porém, alega que só a França pode fornecer a tecnologia que ela deseja.

Assim, o contrato ganha contornos que fazem lembrar o megalômano acordo fechado no governo Geisel com a Alemanha, para a obtenção da tecnologia do ciclo nuclear.

Bilhões foram incinerados ¿ cifra de cálculo impreciso, por causa das trocas de moeda no Brasil e do fim do marco alemão ¿, e parte do ciclo só veio a ser dominada por causa do investimento da própria Marinha em Aramar.

O acordo com a França, que seria assinado na visita de Sarkozy ao Brasil no dia 7 de setembro, também é um pacote fechado, de que faz parte a empreiteira brasileira Odebrecht, pois o contrato prevê a construção de uma nova base em condições de receber submarinos nucleares, de maior calado que os convencionais. A margem para haver superfaturamentos é grande. E mesmo a cessão de tecnologia não é tão certa assim, segundo termos do próprio acordo.

O contrato pode ser de grande valia para o Brasil. Mas, com a interveniência do Congresso, é necessário que a sociedade seja convencida disso.