Título: Dos trilhos para o asfalto
Autor: Paul, Gustavo; Rodrigues, Eduardo
Fonte: O Globo, 19/08/2009, Economia, p. 19

Brasil fez a opção pelas estradas ao mesmo tempo em que o investimento despencou

BRASÍLIA

Ao longo dos últimos 40 anos, o sistema de transportes brasileiro pegou a estrada, mas acabou saindo dos trilhos e empreendeu uma velocidade tão lenta que, no início desta década, quase parou. Os sucessivos governos trocaram, sem planejamento, o modelo ferroviário pelo rodoviário, elevando o investimento no setor a 1,8% do Produto Interno Bruto (PIB) no início da década de 70. Nos anos seguintes, porém, com a economia patinando, o percentual foi reduzido até chegar ao fundo do poço em 2003, com 0,11%.

Agora, está em 0,5%. Enquanto isso, a população em 40 anos mais do que dobrou e chega a 191 milhões.

Em 1969, ano em que foi criado o caderno de Economia do GLOBO, para cada quilômetro de asfalto, havia um quilômetro e meio de ferrovia. De lá para cá, enquanto a malha rodoviária explodiu 180%, as ferrovias regrediram 14%. As estradas pavimentadas se estendem a 61,8 mil quilômetros enquanto as linhas férreas limitam-se a 28 mil quilômetros. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) tem a ambição de mudar esse cenário: há obras em andamento e projetos que podem assegurar 4,2 mil quilômetros de estradas de ferro.

Movimentação em porto cresce 8 vezes

Nos últimos 40 anos, a infraestrutura portuária marítima expandiu-se, de 28 para 49 portos e terminais privativos, possibilitando que a capacidade instalada atendesse uma movimentação oito vezes maior. Em 1970, os 25 portos e três terminais privativos existentes movimentaram cerca de cem milhões de toneladas em mercadorias, 4% da movimentação mundial. Hoje, esse volume atinge 800 milhões de toneladas, ou 10% da movimentação mundial. Isso apesar de o Brasil responder por apenas 1,5% do comércio mundial.

Para o diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Bernardo Figueiredo, as quatro décadas não se traduziram em avanços na infraestrutura do setor de transportes, que continua dependente na sua quase totalidade de uma malha rodoviária cara e ineficiente.

¿ Na verdade, mudou apenas a complexidade, com a ampliação moderada das rodovias nas regiões Nordeste e Centro-Oeste. Mas a base de infraestrutura é a mesma, infelizmente não tivemos melhorias significativas ¿ constata Figueiredo.

Segundo o secretário de Política Nacional de Transportes do Ministério dos Transportes, Marcelo Perrupato, os governos não tinham como prioridade os investimentos setoriais.

Além disso, argumenta, havia resistência em relação ao uso de ferrovias para o transporte de carga. Desta forma, sem uma demanda definida para a modalidade, a construção dos trilhos foi sendo sempre postergada.

¿ Até a década de 70 havia um equilíbrio entre o ferroviário e o rodoviário.

Depois desequilibrou. Foi uma vertiginosa época de construção e pavimentação de estradas. Não tinha integração de modalidade. Era rodovia e não se fazia mais nada na ferrovia.

Algo muito disperso ¿ diz Perrupato.

O impulso às rodovias ocorreu justamente numa época de petróleo abundante e barato no mundo, antes dos choques que marcariam a década de 70. Internamente, a jovem indústria automobilística nacional pressionava por mais estradas.

Na área portuária, a mudança veio nos anos 1990, com a extinção da estatal Portobrás e a aprovação, em 1993, da Lei de Modernização dos Portos. Ela instaurou um novo modelo para o setor onde o Estado direcionou a responsabilidade pelas operações portuárias à iniciativa privada.

¿ Os empresários passaram a investir e modernizar as instalações e operações sob seu controle. Com isso, a movimentação de carga saltou de 388 milhões de toneladas em 1995 para cerca de 800 milhões de toneladas em 2008 ¿ diz o ministro da Secretaria Especial de Portos, Pedro Brito.

Apesar de seu imenso potencial, uma das opções que o Brasil praticamente não lança mão é das hidrovias.

Dos 55 mil quilômetros de rios disponíveis à navegação comercial no país, apenas 2,9 mil quilômetros estão prontos para uso em potencialidade máxima, segundo a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq).

DO GLAMOUR À GESTÃO DE CUSTOS, na página 20