Título: Otimismo além do oficial
Autor: Rangel, Passado; Duarte, Patrícia
Fonte: O Globo, 20/08/2009, Economia, p. 21

Mercado vê crescimento de até 2,1% na economia no 2o- tri, acima do previsto pelo governo

Juliana Rangel, Patrícia Duarte e Flávia Barbosa RIO,

BRASÍLIA e SÃO PAULO

Passado o pior da crise, economistas de bancos e consultorias estão mais otimistas que o próprio governo em relação ao crescimento do Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos pelo país) no segundo trimestre. As projeções apontam expansão de até 2,1% na comparação com o trimestre anterior, acima do previsto pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, que afirmou, anteontem, que a alta seria de até 1,7%.

O dado oficial só será divulgado pelo IBGE em setembro, mas o mercado aposta que o Brasil deixou a recessão para trás entre abril e junho, quebrando a sequência de dois trimestres seguidos em queda, o que caracteriza uma economia tecnicamente recessiva. Alguns analistas já preveem, inclusive, que o país fechará este ano com ligeiro crescimento.

O que endossa a convicção é que o consumo apresenta sinais positivos.

Em 12 meses, a renda do trabalhador sobe em torno de 4%. Além disso, as vendas do varejo continuam em expansão, com alta de 6,2% nos 12 meses encerrados em junho, segundo o IBGE. Já a produção industrial recua 6,5% na mesma comparação.

O economista da Rio Bravo Investimentos Fausto Vieira prevê um crescimento de até 2% no segundo trimestre e variação nula no acumulado do ano. Para ele, o crescimento zero em 2009 deve ser encarado com otimismo.

Em maio, o consenso do mercado, segundo o boletim Focus, do Banco Central, apontava uma retração de até 0,73% do PIB este ano.

¿ Dois fatores preponderantes para a retomada, além do consumo, foram os gastos do governo, significativamente altos, e uma postura comercial relativamente fechada do Brasil. Sem querer discutir se esses aspectos são bons ou ruins, eles acabaram servindo como amortecedores ¿ observa Vieira.

Na indústria, retomada mais lenta

Para o economista-chefe da LCA Consultores, Braulio Borges, o PIB avançará 1,9% no segundo trimestre.

Ele cita como fator positivo a retomada de contratações na indústria: ¿ As siderúrgicas religaram altosfornos, com a produção de aço em julho tendo saltado quase 20%. Teremos duas realidades bem distintas.

Na primeira metade do ano, a economia vai cair quase 2%. Na segunda, deve crescer 2,5% ¿ diz.

Especialistas ligados à indústria, porém, estão menos otimistas e avaliam que, ainda que o comércio, os serviços e a construção civil tenham se recuperado, a agonia do setor industrial deve ter se estendido até a virada do semestre. O gerente-executivo de Política Econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Flávio Castelo Branco, argumenta que o setor ainda deve mostrar retração entre abril e junho, mas hoje já entrou numa fase de expansão.

O consultor do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) Júlio Gomes Almeida calcula que o país deve ter crescido de 0,5% a 0,8% no segundo trimestre.

Mas, segundo Almeida, a indústria deve ter registrado crescimento perto de zero no período.

¿ Mas, certamente, neste terceiro trimestre, o setor já terá crescimento positivo. É bom, mas falta recuperar o que se perdeu com a crise ¿ avalia, acrescentando que o nível da produção industrial no país ainda está 10% abaixo do registrado em setembro.

Um dos indicadores de que o segundo trimestre ainda foi ruim para a indústria é o uso da capacidade instalada: em julho era de 79,7%, contra 84,5% de outubro do ano passado.

¿ A recessão acabou no sentido de que voltamos a crescer, mas ainda estamos rodando (a produção) em níveis inferiores aos do período anterior à crise ¿ afirma Castelo Branco, da CNI.

BNDES prevê expansão `invejável"

Na equipe econômica, atenção especial é dedicada à retomada dos investimentos. Crescendo a taxas de dois dígitos, eles sustentaram mais de dois anos de expansão do PIB até o terceiro trimestre de 2008. Os investimentos, dizem técnicos, deverão reagir apenas no terceiro trimestre, na carona da redução de juros do crédito do BNDES. O número será decisivo para que a economia cresça, em 2009, entre 0,7% e a estimativa oficial de 1%, que consta do Orçamento da União. Se o patamar se confirmar, a economia ¿estará girando acima de 4,5% quando 2009 acabar¿, afirma uma fonte.

Para Braulio Borges, da LCA, os investimentos das empresas terão queda de 9% este ano. Mas serão os principais responsáveis pela retomada do crescimento em 2010, com expansão de 13,4%: ¿ A indústria de bens de capital (máquinas e equipamentos) ainda não começou a se recuperar porque estava se livrando de estoques no fim do ano passado e início deste ano.

O presidente do BNDES, Luciano Coutinho, previu ontem uma expansão ¿surpreendente¿ e ¿invejável¿ da economia a partir do último trimestre.

Segundo ele, o PIB deve crescer de 3,5% a 4% de outubro a dezembro, frente ao trimestre anterior. Para 2010 inteiro, ele projeta uma variação ¿mais para perto de 5%¿. Coutinho reafirmou a perspectiva de crescimento mais acelerado dos desembolsos do banco este ano. Nos 12 meses encerrados em julho, o volume liberado somava R$ 122 bilhões. Coutinho criticou, porém, a valorização do real frente ao dólar. Segundo ele, uma excessiva apreciação da moeda não seria saudável para o país.

Para o presidente do Itaú Unibanco, Roberto Setúbal, a economia ¿já voltou a um ritmo acelerado¿ e ¿o pior já passou¿. Setúbal anunciou a revisão da projeção de crescimento da carteira de crédito de varejo do banco neste ano: de um intervalo de 10% a 15% para de 12% a 18%.

COLABORARAM Aguinaldo Novo e Lino Rodrigues