Título: A carta da senadora
Autor: Braga, Isabel; Alencastro, Catarina
Fonte: O Globo, 20/08/2009, O País, p. 10

Trechos da carta de Marina Silva endereçada ao presidente nacional do PT, Ricardo Berzoini: ¿Tornou-se pública nas últimas semanas, tendo sido objeto de conversa fraterna entre nós, a reflexão política em que me encontro há algum tempo e que passou a exigir de mim definições, diante do convite do Partido Verde para uma construção programática capaz de apresentar ao Brasil um projeto nacional que expresse os conhecimentos, experiências e propostas voltados para um modelo de desenvolvimento em cujo cerne esteja a sustentabilidade ambiental, social e econômica.¿ ¿O que antes era tratado em pequeno círculo de familiares, amigos e companheiros de trajetória política, foi ampliado pelo diálogo com lideranças e militantes do Partido dos Trabalhadores, a cujos argumentos e questionamentos me expus com lealdade e atenção. Não foi para mim um processo fácil. Ao contrário, foi intenso, marcado pela emoção e pela vinda à tona de cada momento significativo de uma trajetória de quase trinta anos, na qual ajudei a construir o sonho de um Brasil democrático, com justiça e inclusão social, com indubitáveis avanços materializados na eleição do presidente Lula, em 2002.¿ ¿Hoje lhe comunico minha decisão de deixar o PT. É uma decisão que exigiu de mim coragem para sair daquela que foi até agora a minha casa política e pela qual tenho tanto respeito, mas estou certa de que o faço numa inflexão necessária à coerência com o que acredito ser necessário alcançar como novo patamar de conquistas para os brasileiros e para a humanidade.

Tenho certeza de que enfrentarei muitas dificuldades, mas a busca do novo, mesmo quando cercada de cuidados para não desconstituir os avanços a duras penas alcançados, nunca é isenta de riscos.¿ (...) ¿Tive a honra de ser ministra do Meio Ambiente do governo Lula e participei de importantes conquistas, das quais poderia citar a queda do desmatamento na Amazônia, a estruturação e fortalecimento do sistema de licenciamento ambiental, a criação de 24 milhões de hectares de unidades de conservação federal, do Instituto Chico Mendes e do Serviço Florestal Brasileiro. Entendo, porém, que faltaram condições políticas para avançar no campo da visão estratégica, ou seja, de fazer a questão ambiental alojar-se no coração do governo e do conjunto das políticas públicas.¿ ¿É evidente que a resistência a essa mudança de enfoque não é exclusiva de governos.

Ela está presente nos partidos políticos em geral e em vários setores da sociedade, que reagem a sair de suas práticas insustentáveis e pressionam as estruturas políticas para mantê-las.¿ ¿Uma parte das pessoas com quem dialoguei (...) perguntoume por que não continuar fazendo esse embate dentro do PT. (...) Após 30 anos de luta socioambiental no Brasil ¿ com importantes experiências em curso, que deveriam ganhar escala nacional, provindas de governos locais e estaduais, agências federais, academia, movimentos sociais, empresas, comunidades locais e ONGs ¿ é o momento não mais de continuar fazendo o embate para convencer o partido político do qual fiz parte por quase 30 anos, mas sim o do encontro com setores da sociedade dispostos a se assumir como agentes da luta por um Brasil justo e sustentável, a fazer prosperar a mudança de valores e paradigmas que sinalizará um novo padrão de desenvolvimento. Assim como vem sendo feito pelo próprio PT, desde sua origem, no que diz respeito à defesa da democracia com participação popular, da justiça social e dos direitos humanos.