Título: Dobra parcela de brasileiros com proteção social
Autor: Doca, Geralda
Fonte: O Globo, 21/08/2009, Economia, p. 25

Benefícios previdenciários e programas assistenciais reduzem desigualdade, mas aumentam déficit da Previdência

BRASÍLIA e RECIFE. Embora ainda internacionalmente conhecido por sua desigualdade, o Brasil paulatinamente vem quitando esta fatura histórica com a ampliação do sistema nacional de assistência social.

Um dos dados socioeconômicos mais emblemáticos das últimas quatro décadas é a ampliação da cobertura previdenciária, que saltou de 8,776 milhões de brasileiros protegidos ¿ 29,7% da população economicamente ativa (PEA) de 29,5 milhões de pessoas em 1969 ¿ para 53,8 milhões. Esse número representa 59,8% de uma PEA de 90 milhões de pessoas entre 16 e 59 anos, diz o Ministério da Previdência.

Ou seja, em 40 anos, a parcela de brasileiros com proteção social dobrou.

O aumento da formalização do trabalho, decorrente do processo de industrialização, e a ampliação dos benefícios aos trabalhadores rurais, garantida pela Constituição de 1988 independentemente da contribuição individual, são as principais razões do crescimento da assistência previdenciária.

O custo, porém, foi alto: só nos últimos 15 anos, o sistema de seguridade passou de superávit a um rombo equivalente a 1,3% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país), que é a projeção para este ano.

O resultado, porém, é o fato de o país estar prestes a virar a atual década com queda nos indicadores de pobreza e desigualdade.

Para analistas, além da ampliação da seguridade e o fim da hiperinflação, o avanço se deve ao desenvolvimento de programas de transferência de renda eficientes, como o Bolsa Família e a Lei Orgânica de Assistência Social (Loas).

Mais de 23 milhões recebem benefícios previdenciários Segundo o Ministério do Desenvolvimento Social, o Bolsa Família beneficia 73,732 milhões de pessoas em todo o país e já atingiu R$ 1 bilhão em desembolso mensal. E o Loas ¿ que foi criado em 1993, substituindo a renda vitalícia da década de 70 ¿ paga mais de três milhões de benefícios assistenciais a idosos de baixa renda com mais de 65 anos, também sem a contrapartida da contribuição. Esses programas, aliados aos benefícios rurais, ajudaram a reduzir a desigualdade.

Hoje, mais de 23 milhões de brasileiros recebem benefícios previdenciários (aposentadoria, pensão, auxílio-doença e saláriomaternidade) mensalmente.

Para Marcelo Neri, do Centro de Estudos Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV), esta será a década da redução da desigualdade e da pobreza.

Entre as décadas de 60 e 70, o índice que mede a desigualdade social (coeficiente de Gini) subiu de 0,537 para 0,588 (quanto mais próximo de 1 mais desigual), lembra Neri, ficando praticamente nesse patamar até 2001. Em 2007, caiu para 0,5546, puxado pela melhora na renda do trabalho devido à universalização do ensino, pelo Bolsa Família e pelas aposentadorias.

Segundo a coordenadora do Núcleo de Seguridade e Assistência Social da PUC-SP, Aldaiza Sposati, a principal mudança nas políticas sociais nos últimos 40 anos foi na postura do Estado, que deixou de apenas conceder subvenções a entidades de assistência para passar a atuar diretamente na elaboração e implementação de programas de transferência de renda: ¿ Deixou de agir no varejo, atendendo a demandas específicas sem compromisso de continuidade, para enfim atuarno atacado, com planejamento e coordenação que abrangem todo o país ¿ afirma Aldaiza.

Programas sociais ajudam a inverter fluxo migratório Os programas sociais também ajudaram a inverter o fluxo migratório no país. Segundo o demógrafo e pesquisador da Unicamp José Marcos da Cunha, em 2004, São Paulo, o principal destino de nordestinos, já mandava mais gente de volta que recebia. Na época, dos 400 mil que chegavam ao estado, outros 457 mil faziam o caminho inverso.

Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad/IBGE) mostram que, entre 1992 e 2007, o percentual de pessoas que nasceram no estado em que residem subiu de 59% para 60,3% da população total do país. Já a proporção de pessoas que migraram há pouco tempo caiu de 6,89% para 4,82% ¿ uma queda de quase 30%.

Além da queda na migração, o fluxo mudou em direção ao Centro-Oeste, atraindo inclusive moradores do Sul, de olho do desempenho do agronegócio, reforçou Cunha: ¿ Minha hipótese é que a precarização do emprego, a impossibilidade de ascensão social e os benefícios agora disponíveis podem ter mudado o esquema de migração no país.

Para ele, apesar de benefícios como o Bolsa Família também estarem disponíveis nas grandes cidades, o imaginário do retorno é outro fator de peso na decisão das pessoas.

Este foi o caso de Luís Cláudio Caetano da Silva, de 38 anos, Bartolomeu José Fernandes e Edilson José Roberto, ambos de 31. Eles preferiram retornar a Pernambuco e hoje integram a mão de obra formal do estado.

Os três trabalham na Moura Dubeux, grande empresa de construção civil do Nordeste.

Caetano e Bartolomeu são serventes. O primeiro tem seis dos 12 irmãos morando na capital paulista e decidiu tentar a vida lá. Trabalhou seis anos e voltou. Há um ano e meio está com carteira assinada e pretende ficar em Recife.

¿ Já me estabilizei por aqui.

São Paulo, nem pensar ¿ diz.

Bartolomeu só conseguiu emprego informal em São Paulo, reunindo pouco dinheiro, antes de voltar. E Edilson retornou a Pernambuco, onde, desde 1997, tem carteira assinada.

COLABORARAM Eduardo Rodrigues e Letícia Lins