Título: Crise persegue o Leão
Autor: Doca, Geralda
Fonte: O Globo, 21/08/2009, Economia, p. 23

Arrecadação cai pelo nono mês e ameaça plano do governo de desonerar folha de pagamento

BRASÍLIA

A recuperação da economia no segundo trimestre ¿ após a recessão técnica do início do ano ¿ ainda não teve reflexos no caixa do governo. Ao contrário, segundo dados da Receita Federal divulgados ontem, pelo nono mês consecutivo a arrecadação federal de tributos recuou em julho, somando R$ 58,6 bilhões ¿ uma queda de 9,39% sobre o mesmo período de 2008, já contabilizada a inflação. O resultado assustou a equipe econômica, que teme ter de produzir um malabarismo fiscal para pôr em prática a última medida econômica ambiciosa do governo Lula: a desoneração da folha de pagamento das empresas.

Cobrada por empresários, a medida é uma decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que gostaria de vê-la implementada no início do 2010 eleitoral. O problema é que a renúncia fiscal é muito elevada.

Para cada ponto percentual de redução da contribuição previdenciária (fixada hoje em 20%) das empresas, o governo perde cerca de R$ 3,5 bilhões, e o corte tem que superar isso para ter impacto significativo para o setor produtivo.

A avaliação dos técnicos do Ministério da Fazenda é que está muito difícil abrir espaço de cerca de R$ 10 bilhões ¿ mais ou menos três pontos de recuo da alíquota da contribuição patronal ¿ para reduzir o custo do trabalho. Isso porque as receitas totais da União entre janeiro e julho, em termos nominais, caíram praticamente a mesma coisa: R$ 9,585 bilhões.

¿ O presidente Lula quer, a Fazenda, todo mundo. Mas continuamos dependendo da recuperação das receitas. Não há espaço ainda, como você vai tirar R$ 10 bilhões? ¿ indagou uma fonte da equipe econômica, que reconhece, porém, a forte pressão dos empresários pela desoneração, ainda mais em tempos de valorização cambial

Empresas sustaram recolhimentos

Uma corrente do governo diz que a desoneração da folha seria uma medida anticíclica importante, por representar redução de carga tributária ¿na veia¿. O quadro se complica, na visão da equipe econômica, porque o governo já comprometeu parte do esforço fiscal de 2010, ao reduzir a meta de superávit primário do ano que vem de 3,8% para 3,3%.

Além disso, negocia para janeiro próximo reajuste de aposentadorias acima da reposição da inflação, entre outras fontes de despesas, e já carrega fortes perdas com benefícios concedidos este ano, especialmente a redução do IPI para veículos, linha branca e material de construção. Entre janeiro e julho, as desonerações geraram impacto de R$ 14,9 bilhões no cofres públicos.

Quando começou a fazer os estudos para a desoneração da folha, no fim de junho, a equipe econômica já bancava o fim da recessão e esperava que a arrecadação se recuperasse imediatamente.

No entanto, em julho, a retomada das receitas foi frustrada em duas frentes: a abertura de capital da Visanet e a compensação tributária de empresas que recolheram a mais no primeiro semestre.

Segundo o coordenador de Previsão e Análise da Receita, Francisco Eloi de Carvalho, a expectativa era que a arrecadação com a Visanet ¿ uma operação de R$ 8,4 bilhões ¿ fosse de R$ 2 bilhões em julho. O resultado, no entanto, ficou em R$ 1,150 bilhão: R$ 760 milhões de Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e R$ 390 milhões de Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL).

Em julho, a arrecadação de IRPJ e CSLL caiu 17,27% (R$ 8,315) e 10,08% (R$ 4,356 bilhões), respectivamente.

Além da redução da lucratividade das empresas, como consequência da crise, e da Visanet, pesou a utilização por algumas empresas de um mecanismo legal que permite antecipar impostos e depois suspender eventuais recolhimentos, em caso de pagamento a maior.

¿ Grandes empresas fazem apuração mês a mês com a obrigação de fazer uma ajuste no fim do ano.

Quando elas pagam mais que o devido, fazem o balanço de suspensão ¿ explicou Eloi.

Alegando excepcionalidade dos eventos, ele minimizou o resultado.

Destacou ainda que os dados de receita são defasados em um mês e, portanto, não refletem melhora em indicadores como o crescimento da capacidade instalada da indústria e as vendas do varejo, em julho. Ainda assim, Eloi admitiu que está difícil antever a virada da arrecadação.

¿ Quando isso vai ocorrer? Não dá para precisar ¿ afirmou o coordenador, acrescentando que a queda deverá continuar em cerca de 6% até o fim do ano.

No acumulado de 2009, as receitas também continuam caindo, tendo fechado os primeiros sete meses em R$ 384,148 bilhões ¿ recuo de 7,39% em comparação ao obtido entre janeiro e julho de 2008. O resultado da arrecadação só não foi pior porque o mercado formal de trabalho está mantendo em ritmo crescente as receitas previdenciárias.

Estas subiram para R$ 15,794 bilhões em julho ¿ alta de 2,9% na comparação com o mesmo período do ano passado. No acumulado do ano, o crescimento é de 5,42%. Também aumentaram no mês passado as receitas com Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) incidente sobre rendimentos do trabalho e juros sobre capital próprio remetidos ao exterior.

À noite, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que o pacote fiscal anticíclico adotado pelo governo para fazer frente à crise representará, entre gastos e perdas de receita, menos de 1% do Produto Interno Bruto (PIB).