Título: Do guarda noturno aos arrastões
Autor: Barros, Jorge Antonio
Fonte: O Globo, 23/08/2009, Economia, p. 31

Um dos efeitos da onda libertária que incendiou o mundo no fim dos anos 60, a violência urbana se manifestou no Brasil de modo crítico pelo viés político. O ano de 1969 entrou para a história da criminalidade no Rio como aquele em que, pela primeira vez, explodiu o índice de assaltos a banco ¿ muitos deles praticados por organizações clandestinas de esquerda, buscando financiamento para a luta contra a ditadura.

Outro grande crime de 1969 ficou conhecido como a ¿expropriação¿ do cofre do ex-governador de São Paulo Adhemar de Barros, aquele do ¿rouba, mas faz¿. Do famoso cofre do Adhemar teriam saído US$2,8 milhões usados para financiar a recém-criada Vanguarda Armada Revolucionária Palmares, a VAR-Palmares.

Ao colocar presos políticos junto de criminosos comuns, no extinto presídio da Ilha Grande, na década de 60, o regime militar acendeu o pavio de uma bomba que viria a explodir nas favelas nos anos 80: a organização dos criminosos numa facção que monopolizou o tráfico de drogas e outros crimes.

O ano de 1969 também foi marcado por outro tipo de crime cometido pelas organizações de esquerda e que também viria a se tornar um problema grave na segurança pública do país, já nos anos 90: a prática de sequestros. Em 4 de setembro de 1969, os chamados subversivos sequestraram o embaixador americano Charles Elbrick, que foi libertado mediante a soltura de 15 presos políticos.

Só no segundo ano do governo Médici, o aparelho político-policial conseguiu debelar os sequestros e ações armadas da esquerda, a custa de uma violência policial e militar que pode também ajudar a explicar os níveis de letalidade das polícias hoje.

¿ O agravamento do cenário na década de 90, no Rio, provocou o recrudescimento de discursos em defesa da lei e da ordem, fortemente inspirados em uma concepção militarizada de segurança pública, que se concretizou em ações mais duras contra a população pobre, fazendo com que as taxas de homicídios alcançassem os piores resultados de toda história. A década seguinte foi marcada pelas milícias que passam a disputar com o tráfico o controle de diversas atividades ilícitas e altamente lucrativas ¿- lembra Ana Paula Miranda, professora de Antropologia da UFF.

Em 40 anos, a inocência do apito do guarda noturno ¿ que cuidava das ruas ¿ deu lugar ao medo dos arrastões em vias expressas e à desconfiança no poder público ¿ sensações dominantes nos cidadãos, diante da violência urbana.

ANALFABETISMO CAI A UM TERÇO, na página 32