Título: TREs criticam reforma eleitoral
Autor: Tabak, Flávio
Fonte: O Globo, 24/08/2009, O País, p. 3

Juízes e procuradores vão tentar impedir medidas que, para eles, inviabilizam investigações

A polêmica da vez no Senado não terá bate-bocas e troca de ofensas em plenário. A munição, agora, vem de setores do Judiciário e do Ministério Público, inconformados com brechas abertas pelo projeto de reforma eleitoral, que, para valer nas eleições de 2010, precisa ser aprovado até 30 de setembro. A discussão em torno da proposta, já aprovada pela Câmara, voltará à pauta, com a entrega dos relatórios finais na próxima quarta-feira. O colégio de presidentes de tribunais regionais eleitorais (TREs) vai discutir o texto do projeto na sexta-feira que vem, para, logo após, publicar um documento com críticas à reforma.

O clima entre juízes e procuradores já esquentou. A ideia é formar um movimento na tentativa de impedir algumas medidas do projeto, como as que, segundo o Ministério Público Eleitoral, inviabilizam investigações sobre financiamento de campanhas e liberam doações ocultas para partidos.

Um dos pontos da reforma permite que os partidos paguem dívidas de campanha de candidatos. Assim, depois da votação, as legendas ficariam livres para arrecadar mais verbas e sanar dívidas de candidatos, com o benefício de só divulgar a lista de doadores no ano seguinte ao pleito. Para o presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Rio, Alberto Motta Moraes, a nova regra lembra a situação que resultou no escândalo do mensalão. O tema surgiu durante encontro na Escola Judiciária Eleitoral, semana passada, no Rio, quando foi discutido por representantes do Ministério Público Eleitoral e do TRE.

Polêmicas de primeira hora da votação da Câmara, como a regulamentação do uso da internet, ficaram em segundo plano nas críticas do Judiciário. O MP, responsável por denunciar irregularidades em campanhas, terá que resolver outros problemas antes de abrir as caixas-pretas dos comitês em 2010.

A procuradora regional eleitoral do Rio, Silvana Batini, diz que o projeto tem modificações "absurdas", que tornam inviável parte do trabalho do MP. Um dos golpes mais pesados, segundo ela, é a fixação do prazo de 15 dias, a partir da diplomação dos eleitos, para a abertura de procedimento de cassação de mandato por irregularidades na arrecadação e emprego de verbas de campanha.

Para procuradora, retrocesso é absurdo

Antes, de acordo com a procuradora, o artigo 30-A, que trata do assunto, não estabelecia prazo para o início da ação, que era regulada por meio de jurisprudências do Tribunal Superior Eleitoral. Agora, se o texto for aprovado, a denúncia tem de ser feita em apenas 15 dias.

- É um retrocesso absurdo, a mesma coisa que matar o artigo 30-A, conquista da minirreforma de 2006, que veio na esteira no mensalão. Não dá para investigar em 15 dias. A ex-vereadora Carminha Jerominho, do Rio, perdeu o mandato por causa de ação como essa. Como se não bastasse, a reforma permite que o TSE receba recursos dos candidatos sobre esse tema. Antes, os casos ficavam apenas nos TREs. O dispositivo inviabiliza a sanção por irregularidade do financiamento de campanha, origem de boa parte da corrupção no Brasil - protesta Silvana.

A procuradora também sinaliza a ausência de medidas consideradas por ela prioritárias, como uma nova regulamentação para os suplentes e a punição para o abuso do poder econômico e político, que, pela lei atual, tem como pena três anos de ilegibilidade:

- O político comete a irregularidade na campanha, e entramos com a ação, que passa por três instâncias. Quando acaba, se é que acaba, esses anos já se consumiram. O abuso do poder ficou muito mais recorrente depois da reeleição. A reforma decepciona e frustra. Vai virar um jogo de faz de conta.

Outra inquietação do judiciário é a manutenção da regra que permite a eleição de políticos processados ou que tenham contas de campanha rejeitadas. A regra permanece a mesma, e os candidatos podem concorrer sub judice. Com a reforma, estará explícita ainda a permissão para que partidos arrecadem durante o período eleitoral, fazendo o uso das chamadas doações ocultas, só publicadas no ano seguinte da votação.

O presidente do TRE-RJ considera que a Justiça teve a margem de atuação reduzida. A prestação de contas, que não precisaria mais ser aprovada, é um exemplo. Os registros seriam feitos independentemente da análise dos números. Ou seja, o candidato pode até entregar um CD em branco à Justiça, pois o caso só será julgado a longo prazo.

- O texto cria, oficialmente, o mecanismo da doação oculta. Não é uma reforma política, mas sim uma reforma partidária para políticos que me parece amoral - afirma Motta Moraes.

O presidente do TRE do Mato Grosso do Sul, Luiz Carlos Santini diz ter dificuldades para cobrar multas de partidos no estado, que criam diretórios provisórios, sem CNPJ e endereço:

- É um texto paliativo e favorável a situações pontuais que ocorreram no passado.