Título: Argentina não pune mais maconha
Autor: Figueiredo, Janaína
Fonte: O Globo, 26/08/2009, O Mundo, p. 25

Correspondente

¿ BUENOS AIRES

Em sintonia com a posição defendida publicamente pela presidente Cristina Kirchner, a Suprema Corte de Justiça da Argentina declarou ontem inconstitucional o artigo 14 da lei 23.737, que prevê até seis anos de prisão para adultos consumidores de pequenas quantidades de maconha e outros tipos de entorpecentes. A decisão foi adotada no caso específico de cinco pessoas detidas na província de Santa Fe em 2006, com cigarros de maconha em seus bolsos. No entanto, a resolução aprovada por unanimidade pelos juízes argentinos criou um precedente inédito na História do país e acentuou uma tendência cada vez mais forte no continente.

Este mês, o governo mexicano promulgou a reforma de disposições legais do país, permitindo a posse de pequenas quantidades de drogas para uso pessoal, desde que o usuário não tenha relação com o crime organizado. De acordo com a nova Lei Geral de Saúde mexicana, não será punido o consumo de até dois gramas de ópio, 50 miligramas de heroína, cinco gramas de maconha, 500 mg de cocaína, 40 mg de metanfetamina e 0,015 mg de LSD.

¿ Em termos gerais, observamos uma mudança em vários países latino-americanos no que diz respeito ao castigo penal pelo consumo de drogas ¿ disse o advogado argentino Alejandro Corda, professor da Universidade Nacional de Buenos Aires (UBA) e membro da Intercambios, uma associação civil especializada no estudo e atenção de problemas relacionados com as drogas.

Para o advogado, ¿vários países estão entendendo que é necessário concentrar esforços no combate a grandes operações de tráfico de drogas e lavagem de dinheiro¿.

¿ Uma pesquisa do ano passado mostrou que na Argentina 70% dos expedientes judiciais sobre casos de droga se referiam a pequenos usuários ¿ insistiu Corda.

Na Colômbia, a Corte Suprema de Justiça declarou inconstitucionais as condenações por posse de pequenas quantidades de droga em junho de 1994. O Uruguai tem a mesma legislação desde 1974, que não criminaliza o consumo pessoal de droga. Já no Chile, as normas locais foram modificadas em 2005, durante o governo do ex-presidente socialista Ricardo Lagos, e desde então está prevista a punição legal de adultos que possuam pequenas quantidades de droga.

¿ No Peru o consumo privado também foi descriminalizado. Nos últimos anos, muitos governos decidiram permitir a posse de quantidades limitadas de droga, que não afetem terceiras pessoas ¿ explicou o advogado argentino.

Decisão não legaliza o consumo indiscriminado

Em sua resolução, a Suprema Corte argentina afirmou que ¿se deve proteger a privacidade das pessoas adultas para decidir sobre sua conduta¿.

Na visão dos juízes argentinos, muitos designados após a eleição de Néstor Kirchner, em 2003, ¿as ações privadas dos homens que não ofendem de nenhum modo a ordem e a moral pública, nem prejudicam um terceiro, estão apenas reservadas a Deus e isentas das autoridades dos magistrados¿. O tribunal deixou claro que a sentença não representa ¿nenhuma permissão legal para consumir indiscriminadamente¿ maconha e pediu aos poderes públicos ¿uma política de Estado contra o tráfico ilícito de estupefacientes¿ e a adoção de ¿medidas preventivas de saúde, com informação e educação que desestimulem o consumo, dedicadas, sobretudo, aos grupos mais vulneráveis, especialmente os menores¿.

No chamado caso Arriola, a Suprema Corte argentina frisou o fato de que os cinco adultos detidos não eram dependentes de drogas e tinham em seu poder cigarros de maconha com baixa quantidade de substância tóxica (entre 0,16 e 1,1 grama). Em recente discurso, a presidente argentina defendeu a perseguição judicial ¿dos que vendem as substâncias¿ e disse não gostar ¿de que sejam condenados os que sofrem uma dependência, como se fossem criminais¿.

O chefe de Gabinete do governo, Aníbal Fernández, comemorou a decisão; já a Igreja e associações de combate ao consumo de drogas protestaram.

BRASIL A Lei Antidrogas, em vigor desde 2006, acabou com a prisão para usuários e estabeleceu penas alternativas para quem for flagrado com quantidade considerada para consumo pessoal: advertência, trabalhos comunitários e participação em programas educativos. Mas um estudo recente do Ministério da Justiça demonstrou que, na prática, usuários ainda estão sendo presos. O governo defende que sejam definidas quantidades de drogas que enquadrem a pessoa detida como usuário e traficante

ARGENTINA A Suprema Corte determinou ontem que é inconstitucional a prisão por porte de entorpecentes para consumo pessoal

URUGUAI A Justiça determinou limites para a diferenciação do uso individual ¿ que não é alvo de punição ¿ e de tráfico

CHILE Pena de 5 a 8 anos para posse de pequenas quantidades de drogas MÉXICO Não pune porte de 5g de maconha ou 500 miligramas de cocaína para uso pessoal e imediato

COLÔMBIA A Justiça determinou em 1994 ser inconstitucional a punição por posse de pequenas quantidades de drogas para uso pessoal (até 1g de cocaína, 20g de maconha ou 5g de haxixe). O presidente Álvaro Uribe já propôs 4 vezes ao Congresso a penalização do uso pessoal, mas foi derrotado

VENEZUELA A lei venezuelana não define o consumo como crime, mas estabelece uma série de medidas sociais para usuários domésticos, tais como internação em centro de reabilitação; desintoxicação; liberdade vigiada; readaptação social; expulsão, no caso de estrangeiros não residentes

COSTA RICA Permitida a posse de maconha para consumo pessoal, desde que em pequena quantidade (não há um limite máximo definido)