Título: STF livra Palocci por 5 votos a 4
Autor: Brígido, Carolina; Carvalho, Jailton de
Fonte: O Globo, 28/08/2009, O País, p. 3

Só Mattoso, ex-presidente da Caixa, responderá a processo por quebra do sigilo bancário do caseiro que acusou ex-ministro

BRASÍLIA

Com um placar apertado, por 5 votos a 4, o Supremo Tribunal Federal (STF) livrou ontem o deputado Antonio Palocci (PT-SP) da acusação de ter quebrado ilegalmente o sigilo bancário do caseiro Francenildo Santos Costa e de ter repassado os dados à imprensa. A quebra do sigilo e o vazamento ocorreram em 2006, quando Palocci era ministro da Fazenda. Francenildo acusara o petista de frequentar uma mansão em Brasília onde costumavam se reunir integrantes da chamada ¿República de Ribeirão Preto¿, formada por ex-integrantes da equipe do então ministro quando ele foi prefeito da cidade do interior paulista.

Marcelo Netto, que era assessor de imprensa de Palocci, também foi liberado da acusação. Foi aberta ação penal apenas contra o ex-presidente da Caixa Econômica Federal Jorge Mattoso, que admitiu ter mandado funcionários da CEF retirarem os extratos bancários do caseiro e repassado os documentos ao então ministro. O escândalo culminou na saída de Palocci ¿ que nega ter ordenado a quebra do sigilo do caseiro ¿ do comando da economia do governo.

O primeiro a votar foi o presidente do STF, Gilmar Mendes, relator do caso.

Ele argumentou que o Ministério Público tem que listar na denúncia fatos que indiquem a participação dos investigados no crime. Isso não teria ocorrido no caso de Palocci: ¿ Não há elementos que apontem para uma iniciativa e, menos ainda, uma ordem dele (Palocci) para que se fizesse consulta, emissão ou impressão de dados da conta do caseiro Francenildo dos Santos Costa.

Para o ministro, Mattoso teria agido por conta própria ao enviar os extratos a Palocci. Gilmar ressaltou que o Ministério Público acusou o ex-ministro de ter mandado quebrar o sigilo.

Essa conduta, segundo ele, não pode ser enquadrada no crime de violação de sigilo funcional, já que o ex-ministro não tinha acesso direto aos dados.

O mesmo valeria para Marcelo Netto.

O único que poderia responder por esse crime, disse, seria Mattoso, que tinha acesso direto aos extratos.

Pena alternativa em vez de processo

Gilmar argumentou que Mattoso poderia ter encaminhado os dados sigilosos de Francenildo apenas ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) para investigar eventual irregularidade na conta. Palocci não poderia ter recebido os documentos.

Mattoso disse em depoimento que suspeitou da conta porque, embora o caseiro ganhasse salário de R$ 400, recebera depósitos em dinheiro no valor de R$ 38,8 mil naquele ano (que, comprovou-se depois, tinham sido depositados por seu pai).

¿ Ele estava autorizado a buscar dados, mas não a divulgá-los a terceiros ¿ disse Gilmar sobre Mattoso.

O ex-presidente da CEF poderá escolher se quer responder ao processo na primeira instância ou se aceita a proposta feita pelo MP de suspensão da ação em troca de dar palestras em escolas públicas por dois anos sobre ¿o sistema democrático e o processo eleitoral¿.

Quatro ministros concordaram com Gilmar: Eros Grau, Ricardo Lewandowski, Cezar Peluso e Ellen Gracie. Grau ressaltou que Palocci não tem poder de pedir esse tipo de informação ao presidente da Caixa: ¿ Não há subordinação do presidente da Caixa ao ministro, mas da Caixa ao Ministério da Fazenda. Antonio Palocci poderia ser co-autor do delito, se fosse comprovado que ele determinou a revelação da informação.

Não há, porém, nos autos, elementos suficientes a comprovar que ele instigou a quebra de sigilo.

Do lado oposto ficaram Cármen Lúcia, Carlos Ayres Britto, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello. Ayres Britto ponderou que Mattoso não poderia se negar a cumprir a ordem de Palocci: ¿ Na prática, o ministro da Fazenda mantém sim um vínculo de superioridade hierárquica sobre o presidente da Caixa.

Ayres Britto ressaltou que o julgamento era emblemático, porque lembrava a todos a importância do sigilo bancário e porque envolve um ¿homem do povo¿ que denunciou publicamente um suposto desvio de conduta de uma autoridade.

¿ Justamente contra esse homem simples, mas destemido, é que se desencadeou a quebra do sigilo. Como se uma pessoa pobre não tivesse o civismo suficiente para, sem interesses subalternos, revelar fatos de aparente ilicitude penal. A verdade é inescondível, a materialidade dos crimes é vistosa.

A denúncia se impõe como peça de acusação robusta o suficiente para dar início a persecução penal.

Antes do julgamento, os advogados defenderam os clientes em plenário.

¿ O Ministério Público não disse qual foi a conduta concreta de Palocci no sentido de promover, participar ou cooperar na quebra ou na divulgação dos dados ¿ disse o advogado do exministro, José Roberto Batocchio.

O advogado de Mattoso, Alberto Toron, sustentou que seu cliente tinha obrigação de comunicar os fatos a Palocci e não sabia que os dados seriam publicados na imprensa. O advogado de Marcelo Netto, Luiz Eduardo Roriz, disse não haver indícios de que o assessor repassara dados à imprensa.

Os ministros Joaquim Barbosa e Carlos Alberto Direito não participaram do julgamento, pois estão em licença médica.