Título: Muitas farpas e pouco acordo em Bariloche
Autor: Figueiredo, Janaína
Fonte: O Globo, 29/08/2009, O Mundo, p. 34

Em clima de tensão, reunião de presidentes da Unasul termina sem que Colômbia retroceda em uso de bases militares pelos EUA

Enviada especial ¿ BARILOCHE, Argentina

Apesar dos esforços do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a reunião extraordinária da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) realizada ontem, na cidade argentina de Bariloche, não conseguiu pacificar o delicado cenário político andino: a Colômbia manteve firme sua decisão de implementar o acordo militar com os Estados Unidos, que permitirá ao governo americano utilizar sete bases em território colombiano, apesar da enérgica oposição dos governos da Venezuela, do Equador e da Bolívia.

Durante mais de sete horas de debates, o clima entre os presidentes do bloco foi de extrema tensão. No final das discussões, o presidente brasileiro irritou-se com seus colegas pela demora em alcançar um entendimento, em meio a uma interminável troca de acusações entre os dirigentes Álvaro Uribe, Hugo Chávez e Rafael Correa.

¿ Se um presidente (do bloco) tenta impor sua verdade, não conseguiremos ter um documento. O que me preocupa é o que sairá na imprensa amanhã (hoje) sobre a reunião ¿ disse Lula, especialmente crítico com Correa, presidente temporário da Unasul.

Já haviam se passado quase seis horas de debates, e Lula, que voltou a pedir garantias jurídicas à Colômbia de que as bases não afetarão outros países, temia um desfecho da cúpula sem resolução de consenso. A resposta do presidente equatoriano foi enfática: ¿ Não me interessa o que dirá a imprensa amanhã (hoje). Devemos a defesa da integração a nossos povos.

A resolução final divulgada após a reunião mostrou que o conflito desencadeado pelo acordo selado entre Uribe e a Casa Branca está longe de ser superado. O documento defendeu a América do Sul como região de paz e a soberania e a segurança dos países diante da presença de tropas estrangeiras.

Também foi convocada uma reunião de ministros da Defesa do bloco para a primeira quinzena de setembro.

Resultado: o presidente colombiano abandonou Bariloche sem apresentar o acordo negociado com os EUA e sem uma condenação da Unasul, como pretendiam Venezuela, Equador e Bolívia.

¿ O acesso dos EUA (às bases) não implica a renúncia sobre um milímetro de nosso território ¿ declarou Uribe, que só participou da foto oficial porque foi buscado pessoalmente pela anfitriã, a presidente Cristina Kirchner.

Uribe esclareceu que ¿o artigo terceiro do acordo dispõe que o entendimento não pode ser usado para intervenção em assuntos internos de outros Estados¿.

O discurso do colombiano, que voltou a manifestar sua indignação pelo fato de os países do continente não terem reconhecido as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) como grupo terrorista, não convenceu adversários regionais, que insistiram em considerar o acordo com os EUA uma ameaça de guerra.

¿ Enquanto o assunto não for esclarecido, rechaçamos a pretensão dos EUA de instalar bases militares, sobretudo a base (aérea) de Palanquero ¿ disse Chávez.

O presidente venezuelano apresentou um documento do Comando de Mobilidade Aérea e a estratégia global de bases de apoio do governo dos EUA que, segundo ele, provam a intenção da Casa Branca de intervir militarmente em outros países da região.

¿ Aqui estão falando de guerra, de mobilizar para a guerra ¿ enfatizou Chávez.

Chávez evitou falar em ruptura das relações com a Colômbia, mas fez duras críticas ao acordo militar fechado por Uribe. Depois de ter começado o dia com um café da manhã com Lula no luxuoso hotel Llao Llao, sede do encontro, o presidente venezuelano suavizou o tom das declarações, mas não sua posição no debate com a Colômbia. Já Correa não poupou ataques.

¿ Esta estratégia militarista é um fracasso no combate ao narcotráfico ¿ assegurou Correa. ¿ A solução está em outro lugar, povo colombiano, não na ajuda americana.

O presidente equatoriano disse que seu país, longe de ser cúmplice das Farc, como denunciaram autoridades colombianas, é vítima do grupo guerrilheiro e ¿de um conflito que a Colômbia não consegue resolver¿.

O presidente peruano, Alan García, um dos principais aliados de Uribe, pediu um esclarecimento sobre o entendimento militar com os EUA e denunciou a ¿compra vergonhosa¿ de armas por parte dos governos regionais, que no ano passado empregaram US$ 51 bilhões em gastos militares.

Os presidentes Lula, Cristina Kirchner, Chávez e Correa reiteraram a necessidade de realizar um encontro dos países da Unasul com o presidente americano, Barack Obama.

¿ Queremos discutir o papel dos EUA na América Latina. Não podemos ter embaixadores que digam o que devemos fazer numa eleição ¿ alfinetou o presidente brasileiro.