Título: O segundo tempo do julgamento
Autor: Brígido, Carolina; Daflon, Rogério
Fonte: O Globo, 29/08/2009, O País, p. 3

Após STF livrar Palocci, Marco Aurélio diz que corda estoura do lado mais fraco; Gilmar contesta

Carolina Brígido, Rogério Daflon e Maiá Menezes

BRASÍLIA e RIO Oministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), lamentou o resultado do julgamento da Corte que livrou o ex-ministro da Fazenda, Antonio Palocci, da acusação de ter quebrado e divulgado o sigilo bancário do caseiro Francenildo dos Santos Costa. Ontem, um dia depois da decisão, Marco Aurélio afirmou que o lado mais fraco da disputa sempre sai prejudicado. Ele foi um dos quatro ministros que defenderam a abertura de processo para investigar Palocci. Mas a tese oposta venceu, com cinco votos.

¿ A corda sempre estoura do lado mais fraco ¿ disse o ministro. ¿ O embate Estado-cidadão, quando há desvio de conduta por parte da autoridade pública, é um embate desequilibrado. O que estabelece o equilíbrio é o respeito à legislação.

Agora vamos esperar, paciência. Depois que o tribunal bate o martelo, a decisão tem que ser cumprida.

Marco Aurélio reafirmou sua convicção de que havia indícios suficientes para justificar abertura de processo sobre Palocci. E ressaltou que, para a abertura de ação penal, não é necessário reunir provas da autoria do crime, apenas indícios.

¿ Nós tivemos de um lado pessoas qualificadas: um presidente da Caixa, um ministro da Fazenda, um assessor de imprensa. Do outro lado, um simples caseiro. Quebraram o sigilo de forma individualizada. O único órgão que pode quebrar o sigilo assim é o Judiciário. Não estávamos a julgar a culpa, a responsabilidade de quem quer que seja. Eu continuo convencido de que havia indícios.

Perguntado sobre as consequências políticas do julgamento, com a liberação de Palocci para se candidatar, Marco Aurélio alertou o povo a ter cuidado com os candidatos que escolhe: ¿ Precisamos fazer uma revolução pelo voto no Brasil. A sociedade não é vítima dos políticos que temos, a sociedade é a autora. Que cada eleitor perceba a importância do voto.

No Rio, o presidente do STF, Gilmar Mendes, que era relator do caso, explicou ontem seu voto, que livrou Palocci da acusação. Gilmar também respondeu à declaração de Marco Aurélio de que a corda sempre estoura do lado mais fraco.

¿ Não se trata de uma discussão sociológica, do poderoso em relação ao mais pobre. Se vocês lerem a denúncia, o procurador-geral da República disse assim: ¿O ministro da Fazenda determinou que se fizesse isso (a queda de sigilo bancário do caseiro ao então presidente da Caixa Econômica Federal, Jorge Matoso)¿. Então, a discussão era se houve realmente esse pedido, se ele determinou. E, nesse caso, ele (Palocci) seria partícipe da ação do Jorge Matoso (que enviou os dados bancários do caseiro a Palocci).

O Tribunal entendeu que isso não estava presente. Não ficou claro.

Gilmar, contudo, fez críticas ao ex-ministro da Fazenda: ¿ No meu voto existe uma censura clara à conduta do próprio ex-ministro de receber essa informação (os dados bancários do caseiro). Isso foi dito de forma muito clara. Agora, isso era crime? Não, isso não era crime, à luz da lei, à luz dos conceitos desenvolvidos, e foi isso que prevaleceu.

A votação de anteontem foi apertada, por 5 votos a 4 no julgamento de Palocci. Mattoso não teve a mesma sorte, sobretudo porque, à época, admitiu ter pedido a funcionários da Caixa os extratos bancários do caseiro e, em seguida, os repassado a Palocci.

Por isso, explicou Gilmar, foi aberta ação penal contra Mattoso. Marcelo Netto, que era assessor de imprensa de Palocci, e negou ter passado os dados bancários do caseiro à imprensa, também foi liberado da acusação.

Ayres Britto apoia Marco Aurélio

Voto vencido, o ministro Carlos Ayres Britto afirmou ontem que concorda com o teor da metáfora utilizada pelo ministro Marco Aurélio ¿ de que a corda sempre arrebenta do lado mais fraco ¿ para comentar a decisão do plenário. Segundo Ayres Britto, seu voto já expressava essa máxima.

¿ Antes de o ministro Marco Aurélio dizer isso eu já disse, com o meu voto. O ministro retomou esse discurso com a metáfora. No voto, eu disse o seguinte: que o caso era emblemático e merecia dos ministros toda a atenção.

Primeira simbologia: evidenciar que o sigilo é um direito fundamental.

E segunda: um homem comum do povo, um cidadão simples, de profissão pouco reconhecida, não graduado, não titulado, teve a coragem, o desassombro, de denunciar as autoridades, inclusive em um fórum público. O ministro falar que a corda estourou do lado mais fraco é nesse sentido: um homem simples, que faz parte dos extratos sociais mais sacrificados, não foi recompensado no gesto eminentemente cívico de denunciar o que lhe pareceu um deslize de caráter penal.

O advogado Carlos Velloso, ex-ministro do STF, elogiou a decisão da Corte. Velloso, que se aposentou em 2006, disse que votaria como Gilmar se ainda estivesse no tribunal. Para ele, não existe prova forte o suficiente para justificar a abertura do processo.