Título: Com pré-sal, Brasil tem o desafio de evitar a maldição do petróleo
Autor: Paul, Gustavo
Fonte: O Globo, 30/08/2009, Economia, p. 28

País muito dependente de recursos naturais cresce menos que os outros

EXPLORANDO PETRÓLEO: Para especialistas, será preciso evitar tentações políticas

BRASÍLIA. Às vésperas do lançamento do modelo do pré-sal, não há, no primeiro escalão do governo, quem esconda a euforia diante do potencial de multiplicar as reservas de petróleo do país e do expressivo volume de recursos que deve chover na economia. Mas analistas ouvidos pelo GLOBO advertem que, por trás de tanto entusiasmo, o présal pode ser um risco à economia e à sociedade brasileiras, caso a legislação não fique bem definida.

Os projetos preparados pelo governo ainda deverão ser alterados pelo Congresso.

Não faltam exemplos de outros países vítimas do que se chama a ¿maldição do petróleo¿, termo cunhado em 1995 pelos economistas americanos Jeffrey Sachs e Andrew Warner. O estudo mostra que os países ricos em recursos naturais crescem menos que os que não os possuem em abundância.

Usando uma amostra de 95 países em desenvolvimento, exportadores de produtos agrícolas, minérios e combustíveis, de 1970 a 1990, constatou-se que, na média, os que iniciaram com alta participação desses recursos nas exportações tiveram menor desenvolvimento nos 20 anos seguintes.

¿ O problema central é o uso inadequado desses recursos. Os países árabes, por exemplo, usaram o dinheiro para enriquecer famílias e não a população. A Nigéria é uma combinação de desperdício e corrupção ¿ lembra Mailson da Nóbrega, da consultoria Tendências.

Para atender ao mercado, planejamento é fundamental

E há riscos econômicos e políticos.

A principal preocupação do economista Luiz Gonzaga Belluzzo é com os efeitos cambiais decorrentes da enxurrada de dólares que deverão ingressar na economia, por meio da exportação de petróleo e derivados. A chuva de divisas tende a valorizar o real e, se esse fluxo de dólares não for contido, as consequências seriam nefastas. De um lado, a indústria perderia competitividade no mercado internacional, por outro haveria estímulo às importações.

¿ É um risco grande, que pode ser contido com a criação do Fundo Soberano. Mas lembro que o Brasil tem uma economia urbana e uma indústria articulada, o que evitaria repetirmos o exemplo da Venezuela, cuja capacidade produtiva foi desarticulada ¿ diz Belluzzo.

Esse mal, conhecido como ¿doença holandesa¿ e ¿mal norueguês¿, também pode levar ao aumento de preços internos. O professor Francisco Carlos Teixeira, da UFRJ, conta que quando a Noruega começou a explorar o petróleo do Mar do Norte, nos anos 80, recebeu um fluxo grande de pessoas e empresas.

Sem produção interna suficiente e com uma indústria incipiente, os preços locais aumentaram, tornando Oslo uma das capitais mais caras da Europa.

Por isso, alerta para a necessidade de diversificar o parque produtivo do petróleo.

¿ Não podemos exportar petróleo bruto, mas sim construir refinarias e vender produtos de maior valor ¿ diz Teixeira.

O professor de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ, Alexandre Szklo, alerta para a necessidade de planejar novas refinarias. Ele lembra que a tendência mundial é por combustíveis menos poluentes e renováveis: ¿ A demanda por derivados de petróleo vai ter mudanças nas próximas décadas.

A economia brasileira também não pode ficar dependente do petróleo, ou ficará sujeita às oscilações de mercado. O caso da Rússia é emblemático, lembra Mateus Salvatore, da consultoria Frost & Sullivan: ¿ O pré-sal foi vendido como um bilhete premiado, mas seu sucesso depende de vários ingredientes futuros, como preço e demanda internacional, custo de produção e até fatores técnicos.

Corre-se ainda o risco de essa riqueza direcionar a atividade política brasileira, com surgimento de ¿políticos do petróleo¿, como na Venezuela e nos países árabes. Belluzzo adverte que o país não pode cair na tentação de usar a receita do petróleo para bancar necessidades da população carente, numa ¿bolsa família do petróleo¿.

O consultor da Câmara dos Deputados Paulo César Ribeiro Lima, especialista em petróleo, teme o fato de a Petrobras ficar como exploradora única dos blocos: ¿ O Congresso tem de abrir a outras empresas a possibilidade de serem operadoras, sob risco de não termos o aumento de receitas esperado.