Título: A história da Aids contata pelos pacientes
Autor: Éboli, Evandro
Fonte: O Globo, 30/08/2009, O País, p. 10

Homem recebeu a notícia de que só teria mais seis meses de vida, vendeu todos os bens, mas sobreviveu

MARIA (nome fictício): primeira vítima a conseguir na Justiça o direito de ter acesso a medicamentos importados

BRASÍLIA. O administrador de empresas Gerson Barreto Winkler recebeu, em 1986, aos 27 anos, a notícia de que estava com Aids e que teria seis meses de vida. Vendeu todos os seus bens em Porto Alegre (RS) para, depois desse diagnóstico, dar ao volta ao mundo antes de morrer. Hoje, aos 50 anos, Gerson está saudável e vivo para contar a história de um dos poucos portadores do vírus HIV daquela época que sobreviveram à doença.

O administrador é um dos vencedores do concurso ¿Vidas em crônica¿, do Programa de Aids, do Ministério da Saúde, que selecionou relatos de quem vive ou participa da vida de portadores do vírus e convive com essa epidemia. São histórias ambientadas nas décadas de 80, 90 e nos anos 2000 que traçam uma evolução da doença no país, os avanços no tratamento, com a chegada do coquetel de antirretrovirais, e o aumento da sobrevida de quem tem Aids.

Gerson chegou a se aposentar por invalidez. Depois, virou um ativista da causa e conta como viveu aqueles dias:

¿ Não tínhamos esperança. O resultado positivo era declaração e condenação de morte. A pergunta era: quanto tempo eu tenho?

Na crônica vitoriosa, ele escreveu: ¿Cada vez que ouvia os dados da epidemia pensava: em qual desses números fui classificado? Em qual grupo de risco fui jogado? Eu me transformei num dado epidemiológico¿.

Portadora do vírus, a pedagoga Maria (nome fictício) foi uma das vencedoras na categoria década de 90. Ela tem 48 anos e contraiu o vírus em 1992, depois de uma relação sexual sem preservativo:

¿ Fiquei muito doente e estive três vezes internada à beira da morte. Era uma questão de quando ia morrer.

A pedagoga orgulha-se de ter sido a primeira vítima da Aids a conseguir na Justiça, em 96, o direito de ter acesso a medicamentos, todos importados. Hoje, reclama dos efeitos colaterais dos antirretrovirais.

¿ Os remédios atacam feio nas mulheres. Deixam a gente com aspecto feio, rosto e perna fina e barriga e seios enormes.

Alice Belém de Oliveira é enfermeira e trabalha com portadores do HIV no Rio. Sua história está entre as premiadas. Ela contou o drama da primeira morte de uma criança com Aids que testemunhou, em 1987. ¿Sentei-me ao lado daquele leito e, segurando naquelas mãos já frias e pálidas, orei e pedi a Deus que permitisse que crianças-anjos vivessem neste mundo. Chorei um choro que estava reprimido há anos desde que perdi o meu primeiro paciente de Aids. Duas décadas se passaram. Perdi alguns pacientes para a Aids, mas muitos conseguimos recuperar. Com avanço tecnológico, a qualidade de vida melhorou¿.