Título: Militares acusaram diplomata de traição e forçaram sua saída do país
Autor: Franco, Bernardo Mello
Fonte: O Globo, 30/08/2009, O País, p. 4

Em dossiê, SNI diz que Elbrick agiu com `ingenuidade ou premeditação maliciosa¿

CHARLES ELBRICK dá entrevista coletiva no auditório da embaixada americana, logo após chegar ao Brasil

BRASÍLIA. A ditadura não perdoou o embaixador americano Charles Burke Elbrick pelo sequestro do qual o diplomata foi a vítima. O governo militar foi obrigado a libertar 15 presos políticos e permitir a ampla divulgação de um manifesto dos guerrilheiros contra o regime. Dossiês do Serviço Nacional de Informações (SNI) revelam que, após o desfecho da ação, os militares atribuíram parte da culpa pelo episódio ao próprio diplomata. Nos documentos, ele é classificado com adjetivos como traidor, malicioso, displicente e ingênuo.

Os militares não se conformaram com declarações de Elbrick elogiosas à conduta dos sequestradores, descritos por ele como jovens inteligentes e bem educados. Nos bastidores, o SNI pressionou o Itamaraty e o Palácio do Planalto até conseguir sua remoção de volta para Washington, em 1970, com apenas um ano no cargo.

¿O embaixador traiu seus compatriotas"

As principais críticas ao embaixador estão num estudo-parecer sem data da Agência Central do SNI, que está entre os papéis do órgão recolhidos em 2005 ao Arquivo Nacional. O documento cita depoimentos em que integrantes da ação disseram ter ouvido do diplomata críticas à ditadura brasileira e observações genéricas sobre a presença da CIA no país.

¿As declarações dos sequestradores, se consideradas verdadeiras, revelam que o embaixador traiu seus compatriotas ao revelar a linha dos órgãos de informações, como também revelou uma grande ingenuidade no trato de problemas políticos peculiares a seu país e ao Brasil, atitude inadmissível para um embaixador de carreira¿, escreveram os arapongas, classificando as declarações simpáticas aos sequestradores como ¿ingenuidade ou premeditação maliciosa¿.

Responsável pelo inquérito policial-militar sobre o caso, o general Tasso Villar de Aquino pediu abertamente a remoção de Elbrick. Em ofício enviado em dezembro de 1969 ao então chefe do SNI, general Carlos Alberto da Fontoura, ele afirma que as entrevistas do diplomata ¿parecem comprometer a sua situação futura à frente da representação diplomática da grande nação do Norte no nosso país¿.

O documento sustenta que ¿a ação terrorista foi muito facilitada também pela displicência do embaixador Charles Burke Elbrick em relação à sua segurança pessoal¿. Aquino considerava inaceitável o fato de o diplomata ter sido interceptado em seu Cadillac sem escolta de segurança e com as portas destravadas, quando passava pela Rua Marques, no Humaitá.

Em 1970, SNI enviou dossiê sobre Elbrick ao Itamaraty

O general responsável pelo inquérito diz ainda que ¿não deixa de causar estranheza a reação do embaixador Charles Elbrick em face do sequestro de que foi vítima, inclusive procurando atenuar o crime praticado pelos terroristas¿.

Em fevereiro de 1970, o chefe do SNI enviou um dossiê com críticas a Elbrick ao então ministro das Relações Exteriores, Mario Gibson Barboza. No ofício, ele dizia agir a mando do presidente Emilio Garrastazu Médici. Elbrick seria removido do país pouco depois. Ele morreu em 1983, aos 75 anos.