Título: Viúva de guerrilheiro, aos 78 anos, espera enterrar corpo do marido
Autor: Franco, Bernardo Mello
Fonte: O Globo, 30/08/2009, O País, p. 3

Ilda Martins da Silva foi presa, torturada e exilada no Chile e em Cuba

BRASÍLIA. Aos 78 anos, a aposentada Ilda Martins da Silva, viúva do guerrilheiro Virgílio Gomes da Silva, o Jonas, ainda sonha em enterrar o corpo do marido morto nas mãos de militares em setembro de 1969. Ela se emocionou ao saber da existência do dossiê em que o Exército assume que a morte ocorreu nas dependências da Operação Bandeirante (Oban), em São Paulo. Para ela, resta saber o local em que a ossada está escondida: ¿ Ainda tenho a esperança de fazer o enterro dele. É um desejo meu e de toda a família.

Ilda foi presa um dia depois do marido, junto com três filhos com idades de 2 a 8 anos. As crianças foram enviadas ao Juizado de Menores, e resgatadas um mês depois por parentes.

Ela foi para o Presídio Tiradentes, onde sofreu torturas com choques e espancamentos.

Passou quatro meses incomunicável, sem saber da morte do marido. Em 1972, deixou o país de ônibus para um exílio de 18 anos, no Chile e em Cuba. Voltou ao Brasil em 1991 e hoje vive no Jabaquara, bairro de classe médiabaixa da capital paulista.

O processo de Virgilio na Comissão de Anistia dá indicações sobre o possível paradeiro do corpo.

Laudo do Instituto Médico-Legal afirma que ele foi levado para o cemitério de Vila Formosa, em São Paulo. Lá, o filho mais velho, Vlademir Gomes, ouviu que o pai teria sido enterrado na quadra 50, sepultura 1.147. O cemitério foi alvo de buscas fracassadas na década de 90.

O conteúdo do dossiê do Exército combina com os relatos do ¿Brasil: Nunca Mais¿. Segundo ex-presos, Jonas chegou encapuzado à sede da Oban, onde se negou a dar qualquer informação e reagiu até o fim com cusparadas e xingamentos contra os torturadores. Após cerca de 12 horas de violência, eles golpearam sua cabeça repetidamente contra uma parede. Depois exibiram a marca de sangue a outros presos.

O guerrilheiro vinha de família pobre do Rio Grande do Norte. Operário, foi um dos principais quadros da Ação Libertadora Nacional (ALN), de Carlos Marighella. Comandou o sequestro do embaixador e morreu aos 36 anos.

No filme ¿O que é isso, companheiro?¿, de Bruno Barreto, é retratado como um homem psicótico e sem escrúpulos. Vários ex-companheiros protestaram, e Ilda processou os produtores do filme por danos morais.

Em 2000, a Justiça condenou o produtor Luiz Carlos Barreto e o roteirista Leopoldo Serran a pagarem indenização de R$ 151 mil.

Eles recorreram e ganharam no TJ do Rio. O caso está parado há dois anos no Superior Tribunal de Justiça. O advogado de Ilda é André Martins, irmão do ministro Franklin Martins (Secom), que idealizou o sequestro e escreveu o manifesto exigindo a libertação dos 15 presos trocados pelo diplomata.