Título: O poder da sociedade
Autor: Barbosa, Marcio
Fonte: O Globo, 01/09/2009, Opinião, p. 7

A pobreza afeta um terço da população mundial e a recente crise financeira pode aumentar ainda mais esse contingente. Considerando-se que lutar contra a pobreza é defender os direitos humanos ¿ uma bandeira de todos nós ¿, a melhoria dessa situação exige esforços contínuos e de todos.

Essa não é uma tarefa isolada de governos, mas uma luta abrangente que envolve indivíduos, sociedade civil, governos e agências intergovernamentais, como a Unesco.

O Brasil não pode ser considerado um país pobre, mas, assim como outras nações, é vítima de uma perversa desigualdade social. Por outro lado, é preciso reconhecer os enormes avanços obtidos nos últimos anos, principalmente depois de organizada a economia, controlada a inflação e implantados programas sociais. O país é hoje, sem dúvida, menos desigual e mais justo. Boa parte desse sucesso deve ser atribuída também às inúmeras ações desenvolvidas pela sociedade civil organizada e pelos brasileiros de forma individual.

Acabamos de ver nesse último fim de semana, durante o lançamento de mais uma edição do Criança Esperança, programa da Rede Globo em parceria com a Unesco, um excelente exemplo dessa mobilização coletiva do país na luta contra a desigualdade.

Focalizado na busca de oportunidades para crianças e jovens brasileiros das camadas mais empobrecidas, o programa vem contribuindo para a redução da vulnerabilidade social, apoiando projetos em todo o Brasil escolhidos por meio de rigoroso processo de seleção realizado pelo escritório da Unesco no Brasil.

O Criança Esperança é uma resposta concreta da sociedade ao que estabelecem a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente, que colocam a infância como segmento prioritário na questão dos direitos, prioridade ainda não refletida na prática.

Podemos perguntar se isso seria falta de vontade política ou de políticas públicas inovadoras, capazes de superar a desigualdade e a exclusão social. Mas, independentemente das respostas que vamos encontrar, é certo que não podemos mais continuar convivendo com a realidade de abandono em que vivem milhares de crianças em situação de rua, vítimas de todo tipo de violência e vulneráveis à prostituição e às drogas.

O que o Criança Esperança vem fazendo com grande sucesso é promover uma enorme mobilização da sociedade e o fortalecimento da cultura de solidariedade.

Os números dessa mobilização nacional comprovam o potencial de solidariedade e o sucesso da iniciativa.

Até agora, em seus 24 anos de existência, o Criança Esperança já apoiou mais de 5 mil projetos sociais, beneficiando cerca de 4 milhões de crianças e jovens em todo o Brasil. Nos últimos anos, as campanhas anuais têm arrecadado, em média, recursos da ordem de R$ 13 milhões ¿ nesse expressivo montante, as doações individuais são as que mais se destacam.

Significa dizer que a população brasileira ainda acredita na solução para a desigualdade social e quer participar desse processo de transformação. A cada ano, os doadores reafirmam sua confiança na boa gestão dos recursos, feita pela TV Globo e Unesco, que, com seriedade e transparência, prestam contas permanentemente à sociedade da utilização das doações, destinadas a projetos sociais brasileiros.

A parceria com a TV Globo desde 2004, em especial no Criança Esperança, vem reforçando a função da Unesco de laboratório de ideias, sobretudo em ações desenvolvidas nos Espaços Criança Esperança, localizados em regiões vulneráveis de quatro cidades brasileiras ¿ Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Olinda. Esses verdadeiros show-cases já mostraram seu grande potencial de replicabilidade, inclusive internacional. A inovação é uma característica do programa como um todo. O modelo do Criança Esperança é inspirador sobretudo quando pensamos na desigualdade social predominante também em outras partes do mundo. O Relatório de Monitoramento Global, do Programa Educação para Todos, edição 2009, de responsabilidade da Unesco, revela a vergonhosa cifra de cerca de 70 milhões de crianças e jovens fora das escolas nos países em desenvolvimento, sendo metade delas na África.

São situações preocupantes como essas que continuam reforçando as operações da Unesco, principalmente nos países em desenvolvimento. O objetivo da organização é não somente auxiliar os países na melhoria das suas capacidades de ação nos campos da educação, das ciências, da cultura e das comunicações, como também contribuir para desenvolver metodologias e disseminar o conhecimento e as experiências bem-sucedidas. Estas são algumas das funções que realizamos na cooperação técnica com os países. E é isso que já estamos fazendo com os bons resultados do programa Criança Esperança, quando possibilitamos que outras partes do mundo conheçam essa iniciativa que tantos benefícios têm gerado para a sociedade brasileira. A Unesco orgulha-se de fazer parte dessa transformação.