Título: Como queimar dinheiro público com viagens
Autor: Vaz, Lúcio
Fonte: Correio Braziliense, 12/04/2009, Política, p. 2

Em 10 anos, o Senado e a Câmara repassaram R$ 18,6 milhões a associações de intercâmbio para cobrir despesas de parlamentares com passagens aéreas internacionais e eventos improdutivos

Três grupos de intercâmbio privados controlados por parlamentares consumiram R$ 18,6 milhões, em valores atualizados, dos cofres públicos nos últimos 10 anos. O dinheiro repassado pela Câmara e pelo Senado cobriu despesas com diárias e passagens aéreas internacionais, anuidades e organização de eventos. Uma das entidades, com o sugestivo nome de Associação Interparlamentar de Turismo, consumiu R$ 3,3 milhões em uma década. O ex-presidente da Câmara dos Deputados Arlindo Chinaglia (PT-SP) cortou drasticamente o financiamento desses grupos a partir de 2007, por considerar as viagens improdutivas, mas o Senado aumentou os seus repasses nos últimos dois anos. As duas Casas se negam a prestar informações detalhadas das despesas feitas pelas entidades de intercâmbio, que são presididas alternadamente por deputados e senadores.

As despesas com os grupos de intercâmbio parlamentar somaram R$ 2,4 milhões em 2005. A redução de gastos na Câmara começou na gestão de Aldo Rebelo (PCdoB-SP). Em 2006, foram repassados apenas R$ 526 mil para todas as entidades. A partir de 2007, Chinaglia passou a pagar apenas as anuidades a organismos de intercâmbio internacionais. No ano passado, esse repasse ficou em R$ 180 mil. Procurado pelo Correio, o ex-presidente explicou por que fez os cortes: ¿Primeiro, relações internacionais são fundamentais. Outra coisa é que não há o retorno devido. O deputado segue viagem, vai, volta, e aquilo não interfere na rotina do parlamento. Os que viajam, se acumulam alguma coisa, não é para a instituição. Eu segurei mesmo. Agora, vou propor uma discussão. Temos que, enquanto instituição, definirmos objetivos, trabalharmos em cima de projetos¿.

O volume de transferências feitas pelo Senado se manteve estável nos últimos anos e até aumentou no ano passado, chegando a R$ 691 mil. Considerando os últimos 10 anos, a Câmara injetou R$ 14,4 milhões nos três maiores grupos, enquanto o Senado fez contribuições no valor total de R$ 4,2 milhões. A entidade que mais recebeu recursos foi o Grupo Brasileiro da União Interparlamentar. Foram R$ 8,9 milhões. O Grupo Brasileiro do Parlamento Latinoamericano ficou com R$ 6,2 milhões. Os dados foram retirados do Siafi ¿ sistema que registra os gastos do governo ¿ pelo site Contas Abertas. Nos orçamentos dos últimos anos, aparecem mais dois grupos, o Fórum Interparlamentar das Américas (Fipa) e a Confederação Parlamentar das Américas (Copa), mas com recursos mais modestos.

Essa proliferação de grupos para financiar viagens é outra preocupação de Chinaglia. ¿Somos ligados a algumas instituições internacionais, mas há uma pulverização. Agora mesmo, houve um racha de uma dessas instituições no Canadá. Aqui, cada uma das dissidentes é presidida por um deputado. Acho que os repasses devem ser feitos para apenas uma entidade.¿ Em 2007, o presidente da Fipa, deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), participou de uma reunião em Quebec, no Canadá, para tratar da fusão das duas entidades. No orçamento da Câmara para este ano, estão previstos repasses de R$ 50 mil para cada uma dessas associações.

Caixa-preta O Correio tentou obter, durante duas semanas, informações detalhadas sobre as despesas dos três maiores grupos de intercâmbio. O Senado limitou-se a informar que 70% dos recursos são usados no pagamento da anuidade aos organismos internacionais e o restante custeia a participação dos parlamentares em eventos internacionais, sendo 25% com passagens e 5% com diárias. Ocasionalmente, os grupos sediam eventos no Brasil. Em 2004, por exemplo, foi realizada uma reunião parlamentar durante a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, em São Paulo. A Câmara informou apenas os repasses feitos aos três grupos nos últimos 10 anos, dados disponíveis nos sites da Câmara e do Senado. O presidente da Câmara, Michel Temer, afirmou, por intermédio da sua assessoria, que não vai ampliar o volume de repasses aos grupos interparlamentares.

Questionado sobre os repasses de recursos e a prestação de contas desses grupos, o diretor-geral do Senado, José Alexandre Gazineo, afirmou que haverá mudanças a partir deste ano. ¿Não vamos mais fazer repasses automáticos, como antes. Vamos trabalhar em cima de eventos. As entidades vão ter que apresentar um projeto, com a estimativa de todos os custos. Se aprovarmos, nós liberamos o dinheiro. Depois, eles prestam contas, apresentando as notas fiscais.¿ Questionado se isso não ocorria antes, respondeu: ¿Nós assumimos agora¿. A Primeira-Secretaria do Senado, responsável pela administração da Casa, afirma que os grupos prestam contas ao Senado e à Câmara. Essas informações fazem parte das prestações de contas que as duas casas apresentam ao Tribunal de Contas da União (TCU). O órgão afirma que os grupos interparlamentares não prestam contas diretamente porque são entidades privadas.

Quem mais viaja são os integrantes da cúpula das duas Casas e os presidentes dos grupos de intercâmbio. O ex-deputado Robson Tuma (PTB-SP), que presidiu a Associação Interparlamentar de Turismo, e o deputado Ciro Nogueira (PP-PI), que ocupou vários cargos na Mesa Diretora, fizeram 10 viagens nos últimos cinco anos. Hauly integrou nove ¿missões oficiais¿. Presidente da União Interparlamentar nos últimos dois anos, o deputado Alexandre Santos (PMDB-RJ) fez sete viagens. Antes dele, a União foi presidida pelo senador Heráclito Fortes (DEM-PI), atual primeiro-secretário do Senado. O presidente da entidade, senador Efraim Morais (DEM-PB), foi o primeiro-secretário do Senado nos dois últimos anos. A União tem prestígio na Casa. Ocupa uma sala no 19º andar do anexo 1, uma das torres do Congresso.