Título: Ministro Direito, fiel aos princípios da lei e da fé
Autor:
Fonte: O Globo, 02/09/2009, O País, p. 8

Internado em decorrência de complicações de um câncer no pâncreas, integrante do STF morre aos 66 anos

Quando chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF), em setembro de 2007, o ministro Carlos Alberto Direito introduziu novo costume na Corte: nos intervalos das sessões, costumava caminhar em volta do prédio do tribunal para esticar as pernas e arejar o pensamento.

Com o tempo, outros ministros aderiram ao hábito.

Essa faceta descontraída era pouco conhecida do público.

Nas sessões, Direito fazia o tipo conservador no conteúdo dos votos e no trato formal dispensado aos colegas.

Tinha aversão a entrevistas, apesar dos comícios que fazia aos 10 anos, da varanda de casa, para quem passava na rua, como contou em 1988. Mas o tom solene e formal se tornaria sua marca registrada e o acompanharia por toda a vida pública, assim como sua crença e fidelidade à lei. Nascido em Belém em 8 de setembro de 1942, radicouse ainda jovem no Rio.

Foi no colégio Anglo-Americano que conheceu Moreira Franco, de influência determinante em sua trajetória. O ex-governador se considera um dos responsáveis pela indicação de Direito para o STJ ao então presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1996. Na época, outro amigo passou a ser figura essencial: Nelson Jobim, então ministro da Justiça e um aliado na campanha pela sua nomeação no STF, na vaga aberta pela aposentadoria de Sepúlveda Pertence.

O caminho até a mais alta corte do país se iniciou em 1965, no curso de Direito da PUC-Rio, onde três anos depois concluiu o doutorado. Atuou como advogado e, em 1988, tornou-se desembargador do Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ), onde atuou até 1996. A posse seguinte foi como ministro do STJ, cargo que ocupou por 11 anos, de 1996 a 2007, quando foi nomeado para o STF.

Tomou posse no dia 5 de setembro de 2007. Desde maio do ano passado, era também ministro substituto do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Julgamentos importantes

Com menos de dois anos no STF, participou de julgamentos importantes, como o que examinou a realização de pesquisas com células-tronco no país, em maio de 2008, em que foi voto vencido. Junto com os colegas Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Cezar Peluso e Gilmar Mendes, Direito propunha alterações na Lei de Biossegurança.

¿Se pelo bem praticamos o mal, se para salvar uma vida tiramos outra, sem salvação ficará o homem¿, declarou à época Direito, católico e conselheiro da União dos Juristas Católicos do Rio ¿ entidade ligada à Arquidiocese que atua para tentar impedir a aprovação de leis consideradas contrárias ao direito à vida.

Já no julgamento para decidir como seria demarcada a área destinada aos índios na reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, o ministro incluiu em seu voto 19 condições ao projeto, que foram adicionadas à decisão da Corte e, segundo o presidente do Supremo, Gilmar Mendes, serviriam de esteio para outros julgamentos sobre o tema.

Direito pediu vista nos dois julgamentos, antes de apresentar seus votos. Muitos setores da sociedade o criticaram pela atitude, que acabou adiando decisões aguardadas há tempos.

Referência em Direito Civil e Autoral, tinha um lema: ¿Fora da lei não há liberdade, sem liberdade não há democracia e, sem democracia, não há cidadania¿.

Para ele, a estabilidade da jurisprudência é que dá segurança ao cidadão. Afirmava que ¿o juiz não pode substituir a interpretação da lei por suas convicções pessoais¿ ou por seu princípio de justiça, mas sim agir de acordo com a lei e seu contexto humano.

O juiz faz justiça interpretando a lei da melhor maneira, sempre para o bem. E só é bom juiz quem é generoso. Quem não tem generosidade não pode ser um bom juiz¿.

Foi professor titular de Direito Constitucional da PUC por três décadas e publicou obras sobre áreas diversas do Direito.

Foi classificado por colegas um ¿construtor de jurisprudência¿, o que resultou, em 2002, na obra ¿Estudos em homenagem a Carlos Alberto Menezes Direito¿, em que magistrados, professores e advogados analisam questões que abordou.

Além da atuação no Judiciário, exerceu cargos públicos de destaque, como o de prefeito em exercício do Rio, entre maio e junho de 1979 e entre março e abril de 1980. Foi ainda presidente da Casa da Moeda e secretário de Estado de Educação de Moreira Franco.

Moreira e Direito ingressaram na vida pública quase na mesma época. Direito foi assessorar o ministro da Educação, Ney Braga, enquanto Moreira era eleito prefeito de Niterói no regime militar, nos anos 70. Depois, ambos voltaram a se encontrar no PMDB. Direito se candidatou a deputado federal em 1982. Mas o bordão descontraído ¿vote Direito¿ não combinava com seu tom solene, e a campanha não vingou.

Quatro anos depois, foi um dos coordenadores da vitoriosa campanha de Moreira ao governo do estado, em 1986. No ano seguinte, coube a Direito ¿ que deixaria a presidência da Casa da Moeda para assumir a Secretaria de Educação ¿ o desmonte de uma das marcas do brizolismo, os Cieps. ¿Quando você privilegia os Cieps, está beneficiando uma parcela inferior a 5% da população em idade escolar no Rio¿, disse, na época de sua posse. Não chegou ao fim do governo. Em meados do ano seguinte, Moreira o indicou para o Tribunal de Justiça, iniciando ali a carreira jurídica.

Direito morreu na madrugada de ontem, no Hospital Samaritano, no Rio, uma semana antes de completar 67 anos. Ele estava afastado de suas funções desde maio, quando foi submetido a uma cirurgia para retirada de um tumor no pâncreas.

Após o procedimento, o ministro se recuperou e obteve alta, retornando para casa. Nas últimas semanas, porém, voltou a passar mal e foi internado por duas vezes. Desde o último sábado, estava na Unidade de Terapia Intensiva (UTI).

Fora dos tribunais, Direito leva vida discreta. Casado com a advogada e professora aposentada Wanda Direito, tinha três filhos e seis netos