Título: Partilha é inconstitucional e deve abrir disputa judicial, diz especialista
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Fonte: O Globo, 03/09/2009, Economia, p. 26

Constituição não prevê esse tipo de relação entre Estado e iniciativa privada

ENTREVISTA Luiz Antônio Lemos

A proposta do governo para o marco regulatório do pré-sal é inconstitucional e deve parar na justiça, ou ¿na prorrogação¿, na opinião de Luiz Antônio Lemos, sócio do TozziniFreire Advogados. Um dos mais renomados especialista em legislação do setor, ele acabou de realizar um estudo para o BNDES, comparando as normas para a exploração de petróleo em 11 países produtores, incluindo Arábia Saudita, México, Estados Unidos, Noruega, Venezuela e Rússia. Em sua opinião, o governo errou ao não enviar uma proposta de emenda constitucional ao Congresso.

Ele prevê que os investimentos podem parar, atrasando a produção.

Henrique Gomes Batista

O GLOBO: Por que o senhor acha que o marco legal proposto pelo governo é inconstitucional? LUIZ ANTÔNIO LEMOS:Pela forma como o governo dispôs sua proposta. A Constituição, em diversos momentos, cita as relações que o Estado pode ter com a iniciativa privada, e neles estão a concessão, a autorização e a permissão. Não há nada que se pareça com o que o governo está propondo, com o modelo de partilha. Mas o mais grave é que a leitura combinada dos artigos 176 e 177 da Constituição indicam que a área de exploração de lavras de jazidas, não só de petróleo, mas de riquezas minerais em geral, podem ser concedidas e que o produto da exploração pertence à empresa privada. O artigo 176 é claro, o produto da lavra é da concessionária. Não é o que o governo quer com o modelo.

Na partilha, o petróleo, mesmo depois de retirado da jazida, é da União, que depois remunera a empresa, pelos seus custos e por parte do lucro, e em petróleo mesmo. É uma espécie de escambo de luxo.

Mas o artigo 176 se aplica à exploração do petróleo? LEMOS:Sim, o Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu, em uma ação proposta pelo governador Roberto Requião (Paraná), que os dois artigos se aplicam ao tema.

O que pode acontecer se o marco regulatório for aprovado como está? LEMOS:Vamos para o terceiro tempo, para a prorrogação dessa discussão que é a Justiça. O primeiro tempo foi no governo e o segundo será no Congresso, mas o jogo deve continuar. Partidos políticos, governadores, entidades sindicais como a Confederação Nacional da Indústria (CNI), poderiam ajuizar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) no STF (Supremo Tribunal Federal). E, com isso, se cria um insegurança jurídica muito grande, o mercado pararia, atrasaria investimentos.

Quanto tempo pode demorar até uma decisão do STF? LEMOS:É muito difícil prever, ainda mais um tema tão complexo, mas no mínimo um período entre um e dois anos.

Qual seria a solução para o governo? LEMOS:Enviar uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) ao Congresso, para esclarecer e evitar estas dúvidas. É mais difícil sua aprovação, mas uma PEC daria segurança jurídica.

Existem outras dúvidas sobre a constitucionalidade dos projetos? LEMOS:Ainda se poderia afirmar que a escolha da Petrobras como operadora única do pré-sal fere os princípios da livre iniciativa, que são garantidas no início da Constituição, em cláusula pétrea. A relação do governo com empresas tem que ser baseada na impessoalidade, na isonomia e com o respeito à concorrência.

Mesmo com uma estatal? LEMOS:A Petrobras não é mais como quando foi criada, ela tem a maior parte de seu capital na mão de investidores, apesar do controle do governo.

Muitos podem argumentar que, ao defini-la como operadora única, o governo está dando privilégios a estes investidores sem motivo. A regra é que sempre o governo tem que licitar, podem ter exceções, mas temos que ver se elas são forte o suficiente. Essa é uma tese mais complexa, mas também pode gerar problemas judiciais ao governo