Título: A solução mais patriótica
Autor: Green, Adam
Fonte: O Globo, 04/09/2009, Opinião, p. 7

Brasil e México planejam aumentar o número de postos de trabalho nas empresas nacionais de gás e petróleo.

Como na maior parte dos projetos protecionistas, as consequências não premeditadas sobre o emprego, a produção e a receita superam as intenções originais.

Diante de uma imensa descoberta na costa brasileira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva propõe conceder alguns direitos de exploração e produção à Petrobras, uma estatal com ações na bolsa, mas fechada a participações estrangeiras.

A Petrosal, uma nova estatal, também concederia mais da metade dos contratos de águas rasas para empresas locais. Nas águas profundas, além da capacidade das empresas locais, propostas estrangeiras são bemvindas, mas terão preferência aquelas que prometam incorporar equipes e recursos técnicos brasileiros.

O México vai por um caminho igualmente protecionista. Em dezembro de 2008, o presidente Felipe Calderón apresentou planos para aumentar para 25% a participação local do setor energético mexicano. Um dos meios para isso é a criação de um fundo de apoio às empresas mexicanas.

Ironicamente, esse protecionismo energético é o contrário da política de livre comércio que o México e o Brasil adotaram em acordos comerciais regionais e de competição internacional em outros setores de rápido crescimento, como a agricultura e a indústria aeroespacial.

Por que, então, o petróleo? De fato, tanto governos ricos quanto pobres intervêm consideravelmente no setor de petróleo e gás ¿ inclusive no mercado de trabalho ¿ porque suas receitas podem mudar o destino do país. O petróleo permitiu que Angola pagasse sua dívida com o FMI e ajudou a revitalizar a economia do Reino Unido no governo de Margaret Thatcher.

Aliás, impedir propostas estrangeiras foi uma estratégia da Noruega, que chegou a adiar a prospecção para permitir que o país construísse uma indústria doméstica de outros serviços relacionados que crescesse junto com a indústria petroleira.

A lógica por trás dessas decisões é a seguinte: os países sem estatais de petróleo e gás veem que o processo de exploração e produção vira uma economia de enclave: os especialistas estrangeiros vêm e vão, e a receita fiscal vai direto para o governo, por meio de royalties, em vez de ir para empresas e trabalhadores locais. Mas há armadilhas no protecionismo.

Primeiro, as estatais de petróleo e gás são menos eficientes do que as empresas privadas. Segundo Mark C.

Thurber, diretor do Programa de Energia Sustentável da Universidade de Stanford, ¿em média, PENs (petroleiras estatais nacionais) extraem recursos a taxas muito menores do que as PIs (petroleiras independentes)¿.

Isso acontece porque os monopólios não estão sujeitos à competição e são alvo fácil da corrupção: a Gazprom, a estatal russa de gás, tem dívidas no valor de US$ 40 bilhões, e acrescentou apenas um campo russo de gás à sua operação desde o início dos anos 1990.

As estatais também servem a agendas políticas irrelevantes ¿ e às vezes contrárias ¿ à prospecção enquanto negócio. O Irã, por exemplo, acaba de prometer financiamento para uma refinaria em Uganda. Comercialmente, isso não faz o menor sentido, uma vez que o Irã já tem dificuldades de aumentar sua pequena capacidade de refinamento (o país racionou gasolina em 2006), e Uganda, sem saída para o mar, não oferece vantagens para o refinamento.

No entanto, o Irã pode ter decidido aumentar seus negócios petroleiros no estrangeiro para complicar potenciais sanções contra seu programa nuclear.

O problema é que a ineficiência não significa apenas prospectar menos petróleo, ou mais devagar. Também pode significar quedas mais drásticas na produção do que as enfrentadas por empresas mais experientes e eficientes.

Em países nos quais as receitas do petróleo são responsáveis por uma fração significativa da economia, essas quedas destroem os orçamentos governamentais, levando a gastos extravagantes ou a uma austeridade intolerável.

Portanto, um envolvimento maior do governo na exploração pode prejudicar o planejamento fiscal. A Venezuela é um exemplo desse risco.

Dr. Thurber observa que ¿Hugo Chávez transformou a PDVSA (a estatal venezuelana) numa marionete do governo, gastando com liberalidade, mas sempre produzindo abaixo das expectativas¿.

Isso quer dizer que os termos dos contratos estrangeiros são frequentemente alterados para equilibrar as contas do governo, dificultando o investimento estrangeiro, o que por sua vez dificulta ainda mais a produção de petróleo, e, com isso, os gastos do governo, dos quais a população depende cada vez mais. Políticas similares fizeram com que a Venezuela, que já teve café e açúcar em abundância, hoje sofra com a falta desses produtos.

Pesando tudo, proteger os mercados de trabalho é problemático, se não incoerente.

O grupo petroleiro mexicano Pemex está empregando empresas estrangeiras para ajudar a melhorar suas taxas de recuperação de petróleo ao mesmo tempo em que o governo mexicano tenta aumentar a participação do trabalho doméstico: é exatamente porque a indústria doméstica tem sido improdutiva que o México precisa chamar empresas estrangeiras.

No Brasil, as reservas costeiras são enormes e sua produtividade pode chegar a 1,3 bilhões de barris por dia. A maximização dos benefícios de uma descoberta como essa seria mais bem servida pela pressão competitiva de uma licitação aberta, que trouxesse receitas fiscais mais constantes, em que a Petrobras concorresse com empresas estrangeiras.

Na crise atual, governos do mundo inteiro ficam tentados a intervir nos mercados, mas o que faz sentido durante a época de vacas gordas também faz sentido na época de vacas magras: a solução mais patriótica é deixar o mercado agir.

ADAM GREEN é jornalista, editor de Exploração e Produção da revista britânica ¿Oil and Gas¿.