Título: Espionagem militar em Goiás
Autor: Luiz, Edson
Fonte: Correio Braziliense, 12/04/2009, Política, p. 6

Relatórios obtidos pelo Correio mostram que, um ano após o fim da Guerrilha do Araguaia, agentes disfarçados de jornalistas se infiltraram no estado. Objetivo era deter retomada de ações armadas

Mortos após a ação contra a Guerrilha do Araguaia. operação deixou pelo menos 70 desaparecidos

Um ano depois do fim da Guerrilha do Araguaia, os militares temiam que grupos subversivos se instalassem em cidades de Goiás, próximas ao Entorno. Relatórios obtidos pelo Correio revelam que o Destacamento de Operações de Informações e o Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) do Comando Militar do Planalto monitoraram dezenas de pessoas em 1976, com o temor de uma nova luta armada. O DOI-Codi enviou para a região agentes disfarçados de jornalistas, mas mantinha uma extensa rede de informantes em pequenas cidades e distritos goianos e de Minas Gerais.

Desde quando enviaram seu primeiro contigente ao Araguaia, em 12 de abril de 1972, os militares mostraram que estavam dispostos não apenas a derrotar integrantes do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), mas manter severa vigilância pelo interior do país, para evitar novos focos de resistência. Qualquer pessoa que se manifestasse contra o governo, o golpe de 31 de março de 1964, ou fosse de partido de oposição, já era considerada inimiga. Isso ocorria mesmo quando a denúncia partia de informantes, que muitas vezes não eram politizados. Foi o que aconteceu em fevereiro de 1976, quando um relatório encaminhado ao DOI-Codi por um morador a serviço da ditadura gerou uma grande investigação do Comando Militar do Planalto.

No relatório, o informante revela que em pequenos municípios de Goiás havia elementos perigosos, alguns vindos de outras regiões. ¿Como é de conhecimento das autoridades competentes federais e estaduais, o município de Formoso (GO) foi, antes da irreversível revolução de 31-03-64, local escolhido para um grande movimento subversivo, tendo como sede Trombas (hoje distrito)¿, diz o relatório. O documento revelou que as pessoas eram as mesmas que lideraram uma associação camponesa, antes do golpe militar, e que estariam voltando a agir. Entre os alvos estavam padres da região, que muitas vezes faziam o papel do Estado na ajuda à população local, pobre, como admitiam os próprios militares.

Médicos O relato do informante resultou em uma investigação do DOI-Codi, batizada de Operação Curió, cujos alvos eram moradores de Formoso e adjacências. Entre eles, um grupo de médicos que teve não apenas a vida profissional espionada, mas também a atuação política. Os agentes estiveram na cidade em outubro de 1976, próximo ao período eleitoral de 15 de novembro, o que facilitou o disfarce de jornalistas. ¿Devido ao movimento de pessoas estranhas na cidade, ocasionado pela época das eleições, faz-nos fácil utilizar a E.C (possivelmente uma designação de disfarce) de repórteres da Globo, mas, se necessitássemos de documentação para comprovar a E.C, não possuíamos¿, informou o agente a seu superior. ¿Acho que seria necessário se providenciar carteiras de repórter para a equipe¿, completou.

O documento do DOI-Codi faz um relato minucioso sobre a região, mostrando as distâncias entre Brasília, Uruaçu, Santa Tereza, Porangatu, Formoso, Córrego do Sapato, Trombas, Montividiu, Mata Azul e Palmeirópolis, que eram distritos ou municípios goianos. Também faz avaliações sobre tempo de viagem e até mesmo revela testes de rádios transmissores. Em um momento, os agentes fizeram campana em fazendas para tentar localizar sinais de transmissão, o que acabou não acontecendo. Conforme o relatório, havia a suspeita de que propriedades rurais da região serviam como ponto de encontro de grupos subversivos. Além disso, descreveram situações das estradas, localização de postos de gasolina e locais para hospedagens, inclusive indicando os preços praticados pelos comerciantes locais.

O DOI-Codi levantou a possibilidade de infiltrar agentes em reuniões de pessoas importantes das cidades, principalmente da classe médica de Formoso, mas em um primeiro momento um analista avaliou que poderiam ocorrer problemas. ¿Os moradores da região são, por natureza, desconfiados de todos os estranhos, que porventura cheguem à cidade¿, escreveu o militar. ¿A vantagem que esta infiltração traria ao DOI seria a de levantar dados tratados em reuniões fechadas, realizadas nas fazendas dos subversivos do município de Formoso, acobertados em forma de mutirões¿, analisou o espião. O relatório não revela se a intenção foi concretizada.