Título: Aspectos polêmicos
Autor: Oliveira, Eliane; Batista, Henrique Gomes
Fonte: O Globo, 04/09/2009, Economia, p. 25

A proposta do governo para o présal foi encaminhada ao Congresso através de quatro projetos de lei, propondo: a capitalização da Petrobras; um fundo social; uma nova estatal; e alterações no marco regulatório.

A capitalização da Petrobras destinase a aumentar o controle acionário do Estado. Proprietária do petróleo no subsolo, a União cederia à empresa direitos sobre 5 bilhões de barris, em troca de ações. Petróleo na jazida normalmente é negociado pelo valor de mercado, deduzidos os custos de exploração, desenvolvimento e operação da produção. Se cada barril no subsolo for cotado a US$ 10, o governo estaria fazendo um aporte na Petrobras de US$ 50 bilhões, sem desembolsar um tostão. Mas existem riscos. Este petróleo inexiste e, caso não seja descoberto e produzido, ou o preço do barril caia no mercado, a Petrobras pode ficar de mãos vazias.

Os acionistas minoritários, prejudicados, teriam que desembolsar dinheiro para manter suas participações.

O fundo social serviria como cofrinho para guardar o dinheiro do petróleo, a salvo da voracidade do caixa da União. Ótima ideia, se funcionar. No Brasil, inexiste a noção de dinheiro carimbado para um fim preestabelecido.

Há exemplos desabonadores, como o da CPMF e o da Cide, de desvio de dinheiro destinado à saúde e às estradas.

Pagamos pesados impostos para não ter em contrapartida serviços básicos de qualidade. Por que os teríamos com o dinheiro do petróleo? Não há fundamentos para a criação da Petro-Sal. Suas atribuições, como propostas, coincidem com as da Petrobras e, principalmente, da Agência Nacional do Petróleo (ANP), sem falar no próprio Ministério de Minas e Energia (MME). Como qualquer estatal, pode sofrer indesejáveis interferências políticas e fisiológicas. Terá dificuldades para compor seus quadros de recursos humanos. O Estado remunera mal e oferece reduzidas possibilidades de carreira.

Quanto ao marco regulatório para o pré-sal, sugere-se o abandono do modelo de concessão, bem-sucedido no Brasil e em países com tradicionais indústrias petrolíferas, como EUA, Noruega e Reino Unido, e a introdução do modelo de partilha da produção, adotado em países pobres, dependentes do petróleo, como muitos produtores da África. Porém, pouco muda, de fato, com a adoção de qualquer modelo.

Preocupam as restrições à competitividade, assegurando à Petrobras a condição de operadora com 30% de todos os blocos. Essas regras podem se aplicar a qualquer área sedimentar brasileira, dentro do subjetivo conceito de áreas estratégicas. Além dos privilégios, a Petrobras ficaria com os riscos. Concentrando esforços no présal, seriam abandonados outros projetos no Brasil e no exterior. Com isso, a estatal poderá lucrar muito ou simplesmente quebrar.

Aprovadas as propostas do governo, as empresas internacionais e os grupos privados nacionais não deixarão de investir aqui face aos elevados potenciais e à estabilidade do país. Mas, para fazê-lo, terão que buscar parceria com a Petrobras e se submeter a seu comando operacional.

O Brasil dará demonstrações de não ter sido capaz de manter regras estáveis, aumentar a competitividade e reduzir os riscos.

O Congresso requer serenidade para aprofundar sua análise. Terá necessidade de tempo, apesar da urgência em se ver jorrar o petróleo do pré-sal. Sabe-se, de antemão, dos conflitos de interesses entre os estados produtores e não-produtores, ambientalistas e progressistas, estatizantes e liberais, governo e oposição e outros que ocorrerão dentro do Congresso.

Em meio ao tiroteio, espera-se que a indústria do petróleo e a sociedade tenham tempo e espaço para apresentar seus argumentos. Afinal, está em jogo o futuro do setor e do país.

GIUSEPPE BACOCCOLI é pesquisador da Coppe/UFRJ, especialista em petróleo e energia.