Título: Os casos do BB e do FMI
Autor: Braga, Ugo
Fonte: Correio Braziliense, 12/04/2009, Política, p. 7

Certas contradições mostram o quanto ideias carcomidas puderam levar a políticas equivocadas no passado e continuam levando no presente. Duas coisas para se pensar. 1) A demissão do presidente do Banco do Brasil. 2) A entrada do país que dá nome ao banco no clube de credores do Fundo Monetário Internacional. Uma por vez. Vejamos.

O principal executivo da maior casa bancária brasileira perdeu o prestigioso cargo porque o principal executivo da empresa controladora ¿ quão seja, Luiz Inácio Lula da Silva e o Tesouro Nacional, respectivamente ¿ acha errado uma instituição financeira estatal ter lucro.

Há aí um cacoete ideológico. O grupo político a nos governar chegou ao poder armado com o discurso segundo o qual o sistema financeiro de um modo geral e os bancos em particular são vampiros da nação. Vivem a beber-lhe a força de trabalho como groselha, a custa de especulação e juros escorchantes.

É uma bela imagem para um discurso, admita-se. Mas carente de substância. E me explico.

Tão logo difundiu-se a versão de que Antônio de Lima Neto perdera o cargo porque vinha se negando a praticar taxas de empréstimos menores aos clientes do Banco do Brasil, houve uma onda de venda de ações da instituição na Bolsa de Valores de São Paulo.

Se houve a mudança e a explicação é mesmo essa, concluiu o mercado, é sinal de que porão alguém lá para baixar os juros bancários na marra. Logo, o lucro cairá e os dividendos pagos aos acionistas serão menores. Ser sócio do imenso banco estatal hoje é menos bom do que o era ontem. Quando nada, por conta da incerteza. Sendo assim, é melhor pegar o dinheiro e aplicar em outro lugar.

Resultado: em 48 horas, o valor de mercado do BB caiu em R$ 5 bilhões, pouco mais de 10% do total. Ou seja, uma catástrofe.

Ouvi petistas de boa cepa apontar o dedo inquisitório tanto para Lima Neto, quanto para o atual modelo de gestão do Banco do Brasil e para a reação ¿especulativa¿ na bolsa à decisão presidencial.

Mas pensemos... Desde a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro da Fazenda, representante do controlador no conselho de administração do banco, mais de uma vez autorizou venda de ações do bloco estatal em leilões públicos. Nada que alterasse significativamente a composição acionária. Ou chegasse sequer perto de ameaçar a posição majoritária do governo no rol de sócios.

Tratava-se simplesmente de uma forma de estimular o mercado acionário, injetar algum sangue novo naquelas velhas veias. Há razão nisso? Claro que há. Se a política econômica primou esses anos todos por resolver a equação do endividamento público ¿ e conseguiu! ¿, restava claro que, uma vez bem-sucedida, a taxa básica de juros cairia a nível inédito.

Em bom português: quando o PT resolvesse o que chamou tacanhamente de ¿herança maldita¿, quem tivesse poupança disponível precisaria de algum bom porto para atracá-la. Nos países civilizados, a bolsa de valores serve de marina à frota quase toda. Aqui, naturalmente, também seria assim.

Se... O Banco do Brasil era das poucas empresas que tinha ações listadas no Novo Mercado, uma espécie de oásis, em que os sócios minoritários são tratados com respeito, têm seus interesses defendidos e informações transparentes a orientar-lhes. Portanto, uma reserva de segurança para deixar lá a poupança guardada após anos de trabalho.

Aí vem o presidente da República e irrompe na sala com a delicadeza de um elefante. Demite o executivo do BB, manda publicamente que o sucessor trabalhe com margens de lucro menores e esmaga qualquer vestígio de direito dos acionistas minoritários.

Sim, o caso do FMI. O Brasil se prepara para inteirar US$ 4,5 bilhões no capital do fundo. Passará a credor. Significa que, quando um país pobre entrar em crise e precisar de dinheiro emergencialmente, chegará lá um time de economistas, entregará uma série de medidas e dirá que elas são a coisa certa a fazer. Ou adeus ajuda.

No passado, o PT dizia que tal comportamento era entreguista e que feria de morte a soberania nacional. Agora, pôs o Brasil para o outro lado do balcão. Fará com países mais pobres o que outrora fez conosco.

Tais contradições não farão com que o dia seja mais ou menos feliz nem afetarão em nada o almoço de Páscoa. Mas mostram em águas transparentes o quanto ideias carcomidas puderam levar a políticas equivocadas no passado e continuam levando no presente