Título: Disparidades
Autor: Alvarez, Regina
Fonte: O Globo, 05/09/2009, Economia, p. 22

A retomada gradual do crescimento, indicada nos dados da produção industrial de julho, mostra a luz no fim do túnel neste setor tão afetado pela crise global. Mas o Brasil é díspar e, assim como a crise teve impacto diferenciado em cada região ou estado, dependendo do perfil industrial, a retomada será desigual. Analisar essas diferenças ajuda a construir a percepção do futuro.

Para traduzir o que está acontecendo com a produção industrial, o economista Júlio Gomes Almeida, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, dividiu o Brasil em cinco grupos, com base no perfil da indústria. O Rio de Janeiro está no grupo dos estados que contaram com um forte estabilizador externo no auge da crise, no caso, a indústria do petróleo.

Enquanto a produção industrial do país caiu 12,8%, entre janeiro e julho deste ano, o Rio registrou queda de 7,6%.

Uma proteção semelhante aconteceu com os estados do Nordeste, por motivo diferente.

Naqueles estados, o estabilizador foi o Bolsa Família, que atenuou a derrocada. A queda da produção industrial no Nordeste foi de 9,5% no mesmo período.

No caso do Rio, a retomada começou modesta, mas deve acelerar, prevê Almeida, porque começa uma reação mais forte no setor de aço e automóveis.

Já no Nordeste, a previsão é de uma melhora bem mais lenta e modesta.

Outro grupo é o da indústria muito especializada, presente no estado do Amazonas e fortemente atingida pela crise. A queda na produção industrial entre janeiro e julho chegou a 15,7%, acima da média nacional.

A retomada será lenta.

O terceiro reúne a indústria muito vinculada a commodities, o que explica a retração no Pará, de 7,4%; e do Espírito Santo, campeão da queda na indústria, com redução de 27,9% na produção entre janeiro e julho. A tendência neste caso é de recuperação forte, puxada pelos setores de celulose, ferro e aço. No Pará, a melhora será mais modesta, ligada ao ferro e alumínio.

O quarto grupo reúne estados com indústria voltada à oferta de produtos agrícolas e agroindustriais. Rio Grande do Sul e Santa Catarina tiveram quedas fortes na produção industrial, próximas à média nacional.

A tendência é de melhora, mais expressiva em Santa Catarina, puxada pelo setor de máquinas e equipamentos agrícolas. No Rio Grande do Sul, a forte queda na indústria de calçados ¿ 27% de janeiro a julho ¿ começou a ser revertida, mas ainda contamina as projeções para o futuro.

No último grupo, Almeida colocou dois gigantes ¿ Minas Gerais e São Paulo. Minas teve declínio recorde, de 20,5%, afetado pelo tripé do ferro, siderurgia e setor automobilístico.

A tendência agora é de recuperação forte.

São Paulo tem uma indústria de A a Z, destaca o economista, e não teve nenhum estabilizador importante, como o Rio, por exemplo. A produção caiu 14% e dá o tom da retomada, com uma melhora modesta.

Fora da curva e dos grupos aparece Goiás, onde a crise passou de raspão com queda de 3,5% na produção.

¿ Onde não houve crise também não tem indústria ¿ ironiza Almeida.

A tendência é a seguinte: quem teve queda mais forte sai na frente na retomada. Almeida coloca Espírito Santo e Minas Gerais no topo desse ranking, com o Rio e o Rio Grande do Sul em segundo lugar e São Paulo em terceiro.

Mantida a trajetória de crescimento, São Paulo voltaria a liderar. Mas não dá para dizer que o céu é de brigadeiro. Se crescer no mesmo ritmo de julho, a indústria fechará o ano com queda na produção de 6,5%; num cenário mais otimista a queda seria de 5%; e num passo mais modesto esse percentual sobe para 7,4%.

Falta investimento

A produção de máquinas e equipamentos, termômetro do investimento produtivo, mostrou sinais de reação em julho, ao crescer 8,9% frente ao mês anterior. Foi o melhor desempenho desde setembro de 2008, mas na avaliação da Confederação Nacional da Indústria (CNI) ainda é cedo para apostar na recuperação dos investimentos. As fábricas continuam ociosas, com folga para atender ao aumento da demanda. O baixo nível de utilização da capacidade instalada não incentiva o empresário a investir.

Dados da CNI mostram que o uso da capacidade instalada permanece 5,2 pontos percentuais abaixo do patamar de setembro de 2008, quando estava em 84,5%. Na passagem de maio para junho, a utilização apontou para baixo: recuou de 79,8% para 79,3%.

¿ O investimento só vai voltar quando o mercado internacional reagir e comprar mais produtos brasileiros. E isso foge do nosso controle ¿ afirma o economista Flávio Castelo Branco.