Título: Os sem-royalties do Rio
Autor: Melo, Liana
Fonte: O Globo, 06/09/2009, Economia, p. 23

De 92 cidades, apenas cinco não recebem riqueza que vem do óleo

À beira do Rio Paraíba do Sul, João Tinti, que trocou Miradouro, em Minas Gerais, por Sapucaia, no Rio de Janeiro, pensa em alternativas para sustentar as 13 pessoas, entre mulher, filhos e parentes, que dividem com ele uma casa, sem portas e janelas, numa área invadida da cidade.

Uma antena parabólica instalada no quintal permite à família acompanhar o noticiário da TV, mas, apesar de só se falar em pré-sal no país, Tinti não faz a menor ideia do que isso significa.

Qualificado como a redenção econômica e social do Brasil, o polêmico pré-sal caiu na boca do povo, mas não na da população dos municípios fluminenses excluídos dos royalties e participações especiais (PEs) do petróleo. Tinti vive em uma das cinco cidades do Rio, todas na região Centro-Sul, que não recebem sequer o dinheiro das áreas do póssal ¿ em que o regime de exploração não será alterado, diferentemente das regiões do pré-sal.

Há cerca de uma semana, o presidente Lula anunciou novas regras para a exploração em águas ultraprofundas.

As principais mudanças afetam diretamente o Rio, que terá perda potencial de arrecadação no modelo de partilha de produção.

Além de Sapucaia, entre as 92 cidades do estado, Areal, Comendador Levy Gasparian, Paraíba do Sul e Três Rios não entram no rateio da riqueza do petróleo. Essa exclusão é, na opinião dos prefeitos destes municípios, uma dupla injustiça, já que Vassouras, Paty do Alferes, Paracambi, Miguel Pereira, Mendes e Engenheiro Paulo de Frontin, que também fazem parte da região Centro-Sul, recebem os frutos do petróleo explorado na camada do pós-sal.

Paraíba do Sul ameaça ir à Justiça

Sem essa verba extra dos royalties e PEs ¿ que em 2008 somou R$ 6,7 bilhões para o estado ¿ só resta aos cinco municípios do Rio esquecerem as divergências políticas e arregaçarem as mangas. A verba oriunda do petróleo engorda o cofre de 87 municípios fluminenses, em diferentes proporções. Quem mais recebe é Campos dos Goytacazes, que embolsou, no ano passado, R$ 660 milhões.

Na tentativa de amenizar as críticas vindas do interior do estado, o secretário estadual de Desenvolvimento Econômico do Rio, Júlio Bueno, garante que, indiretamente, todos são beneficiados: ¿ É usado o mesmo critério de repasse do ICMS para distribuição aos municípios no caso dos royalties.

Dos primeiros 5% que o estado produtor recebem, 25% deles são repassados para todas as cidades.

Apesar desse repasse, os prefeitos da região foram na última semana à Câmara dos Deputados com o objetivo de defender a inclusão de seus municípios no bolo do petróleo. Eles consideram que devem ser enquadrados nos critérios da Agência Nacional de Petróleo (ANP). Recebem hoje recursos os municípios produtores, os que têm instalações de embarque e desembarque de petróleo e gás e os que estão em fronteiras de regiões produtoras.

¿ Estamos estudando a possibilidade de entrar na Justiça com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) ¿ afirmou o prefeito de Paraíba do Sul, Gilberto Leal (PMDB), criticando ¿a não-transparência dos critérios da ANP¿. ¿ Outros municípios com as mesmas características dos nossos municípios são beneficiados com os royalties.

Com o orçamento apertado, Paraíba do Sul, que ocupa a 47aposição no Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal, não tem estação de tratamento de esgotos. Todo o despejo é feito in natura no Rio Paraíba do Sul, porque, segundo o prefeito, não sobra verba para investir em infraestrutura.

¿ Não temos o direito de reivindicar o ouro de Carajás nem o minério de ferro de Minas Gerais, mas o petróleo sim, já que o estado responde por 83% da produção nacional ¿ reclama o prefeito Anderson Zanon (PRB), de Sapucaia, cidade que inchou depois do início das obras de construção da Hidrelétrica de Simplício, de Furnas.

O prefeito de Comandante Levy Gasparian, Claudio Manarino (PMDB), também vem contando com uma verba extra oriunda da construção de três pequenas centras hidrelétricas (PCHs). Só que, como as obras estão previstas para acabar em 2010, ele já busca parcerias com Minas Gerais para viabilizar a saúde na cidade: ¿ Só vai restar mesmo aos semroyalties ajudarem uns aos outros.

Por ser polo regional, cabe a Três Rios o papel de porta-voz das reivindicações.

O prefeito da cidade, Vinícius Farah (PMDB), representa os vizinhos, em Brasília ou junto ao governo do Rio, onde costuma bater à porta atrás de verba.

¿ Se estes municípios recebessem, pelo menos, a mesma quantia repassada às cidades menos beneficiadas, não precisaríamos incomodar o governador ¿ diz Farah, comentando que, desde que assumiu a prefeitura, o governo do Estado repassou R$ 34 milhões ao município.

A maior parte dessa verba está sendo usada na instalação de uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) para a região Centro-Sul. n

COLABOROU Erica Ribeiro