Título: Mudança eficaz
Autor:
Fonte: O Globo, 07/09/2009, Opinião, p. 6

É irrefutável que não chegou a resultados animadores a visão basicamente repressiva adotada pelos Estados Unidos, e seguida em boa parte do mundo, na guerra contra as drogas. A uma política centrada no combate policial e militar à produção, venda e consumo de entorpecentes correspondeu não o esperado constrangimento da comercialização, mas o incremento do tráfico e da criminalidade, notadamente nos países com programas mais estreitos de enfrentamento do flagelo.

Embora o relatório anual do Escritório de Drogas e Crimes das Nações Unidas tenha captado uma ligeira redução no consumo de drogas em 2008, esse é um mercado que continua movimentando em torno de US$320 bilhões/ano. Não é pouca coisa, notadamente se tais valores forem confrontados com o que se gasta em todo o mundo numa guerra de resultados praticamente inócuos. Tal constatação é evidência de que os princípios do combate às drogas precisam ser revistos, tirando a exclusividade do foco policial-militar, para uma discussão que parta do pressuposto da descriminalização, um passo na direção da legalização de algumas drogas, como preceituam estrategicamente importantes lideranças mundiais. O mundo caminha para o abrandamento da relação punitiva do Estado com os usuários, reservando-se o peso da lei para o tráfico. As drogas são um flagelo, mas enfrentá-las pressupõe distinguir a vítima - dando-lhe a chance de se recuperar e de se reintegrar à sociedade - dos grupos que lucram com a venda dos tóxicos.

Neste sentido, revelou-se um retrocesso a decisão da ONU de continuar se alinhando com a política meramente repressiva levada à prática pelos EUA, embora, no relatório da instituição, haja uma referência positiva à descriminalização em Portugal. Grande parte dos países europeus, na vanguarda de uma nova abordagem do problema, enfrenta o tema sob um prisma que vê o usuário como alguém a merecer tratamento de saúde, e não o peso de legislações que, quando muito, apenas o internam em prisões onde estará à mercê da influência de verdadeiros criminosos.

Países latino-americanos também começam a rever suas políticas, e mesmo o Brasil, onde a cultura da bordoada ainda se sobrepõe a uma visão sanitarista, já reviu a legislação sobre drogas de modo a preservar o usuário de punições mais duras. Este é o caminho para uma política mais eficaz de manejo da questão.