Título: Transparência
Autor: Itagiba, Marcelo
Fonte: O Globo, 07/09/2009, Opinião, p. 7

O Senado vive a crise mais grave de sua história. Crise esta germinada, desenvolvida e nascida de seu próprio ventre pela inépcia, incompetência e má-fé de muitos de seus membros. Contudo, as recentes manifestações em defesa de sua extinção não merecem acolhimento. A democracia, a liberdade e o estado de direito devem a sua existência ao livre funcionamento das instituições democráticas.

A divisão dos poderes em Executivo, Legislativo e Judiciário atua como sistema de freios e contrapesos que visa a assegurar os direitos do cidadão, para que não ocorra uma concentração absoluta de poder na mão de um só.

A enxurrada de denúncias, devidamente tornadas públicas pela imprensa nos últimos oito meses, resultou numa lamentável escassez da produção legislativa do Senado, num dano incalculável para a imagem da mais alta Casa do Legislativo brasileiro e num periclitante apreço popular por propostas que miram na sua extinção.

É inegável que vários senadores, com suas posturas destituídas de ética e espírito público, contribuíram diretamente para o quadro atual e devem ser responsabilizados administrativamente por seus atos, eleitoralmente pelos que lhes concederam os mandatos e, nos casos delituosos cabalmente comprovados, criminalmente perante a Justiça.

Aliás, reconheça-se que os que não pecaram por ação o fizeram por omissão. Quando os bons se omitem, o mal prevalece. A responsabilidade é de todos.

Ninguém é maior do que a instituição que integra. Nenhum senador é maior do que o Senado, que tem relevantes serviços prestados à grandeza do país e pelo qual já passaram notáveis como os abolicionistas Ruy Barbosa e Joaquim Nabuco.

Embora todos tenham o dever público de agir com correção e devam ser punidos se o descumprirem, é claro que, infelizmente, nenhum grupo de 81 membros, seja ele qual for, será composto integralmente por Ruys e Nabucos. Porém, a ninguém pode ser permitido desviar-se da missão parlamentar de atuar em defesa dos interesses da federação, muitas vezes substituídos pelos de caráter privado e patrimonialista.

Necessário é tornar mais transparentes os atos do Senado; acabar com a ilegitimidade da suplência sem votos que hoje corresponde a mais de 20% dos mandatos; limitar a prerrogativa legislativa da Casa Alta às questões pertinentes à Federação; e estabelecer a regra da renúncia para os parlamentares que optarem por assumir cargos no Poder Executivo, pois, afinal, foram eleitos para representar o povo no Congresso.

Muitos senadores não são merecedores da representatividade que receberam. Mas o país precisa do Senado, insubstituível nas suas tarefas, hoje não exercidas, de fiscalizar os excessos do Executivo, conter os ímpetos da Câmara Federal e exercer o chamado poder moderador da República - prática arraigada e eficaz no sistema presidencialista americano.

Os senadores passam e o Senado fica.

MARCELO ITAGIBA é deputado federal (PMDB-RJ).