Título: Doença holandesa?
Autor: Vidor, George
Fonte: O Globo, 07/09/2009, Economia, p. 18

Os defensores do regime de partilha de produção de petróleo em blocos ainda a serem licitados na camada de pré-sal dizem que por esse sistema o Brasil conseguirá evitar mais facilmente a chamada "doença holandesa", pela qual uma enorme receita em dólares, decorrente do salto nas exportações de óleo e gás, acabaria fazendo a economia retroceder a um estágio pré-industrial.

É algo bem discutível, pois há mecanismos capazes de evitar a enxurrada de moeda estrangeira. A legislação pode ser ajustada para que o Tesouro tenha receitas diretamente em dólares, destinando os recursos de forma automática para o Fundo Soberano, uma espécie de poupança que o país formará para as gerações futuras, quando as reservas de petróleo começarem a se esgotar.

De fato, para se evitar desperdício de gastos públicos, esse dinheiro precisa realmente se transformar em poupança, senão vira fumaça, sustentando a própria burocracia do Estado.

Em tese, pelo regime de partilha o governo venderia a sua parte em petróleo de acordo com as conveniências da política econômica. No passado, quando o país dependia totalmente das exportações de café, essa experiência não foi bem-sucedida. Na prática, o governo confiscava uma fatia da receita em dólares e procurava interferir sobre as cotações internacionais do produto. Os tempos são outros, os instrumentos de política econômica se sofisticaram, e existem maneiras mais inteligentes de se usufruir da riqueza que o petróleo deve gerar.

O comportamento dos consumidores é sempre determinante nos estudos relacionados à microeconomia. Mas quando se trata de políticas macroeconômicas, questões mais subjetivas, relativas ao comportamento do ser humano, são difíceis de aferir - embora sejam determinantes no caso dos mercados financeiros, que, por sua vez, são fundamentais na definição de investimentos e dos rumos de qualquer economia. Especificamente na política monetária, são consideradas dentro de um conceito meio abstrato, rotulado como "formação de expectativas".

Tais expectativas geralmente são o fiel da balança no momento que o Comitê de Política Monetária (Copom) bate o martelo sobre o percentual das taxas básicas de juros que devem vigorar no país por um período de pelo menos 40 dias.

Por esse prisma, os juros básicos só caíram para menos de 10% ao ano quando o mercado se convenceu de que a demanda por bens e serviços estava tão fraca que não havia risco de a inflação ficar acima do ponto central da meta (4,5%) estabelecida pelo governo. Agora os juros devem ser mantidos em 8,75% ao ano nos próximos meses, porque o mercado espera que a economia volte a crescer em ritmo forte em 2010, o que poderia provocar pressões sobre a inflação, obrigando até o Banco Central a aumentar as taxas básicas.

No atual cenário, trata-se somente de uma pequena possibilidade. Existe considerável capacidade ociosa na economia mundial, que pode anular eventuais pressões inflacionárias. O mais provável é que a inflação no Brasil fique em torno de 4% no ano que vem, abaixo do ponto central da meta.

Mas, em um país de gatos escaldados, o que vale é o teste São Tomé: ver para crer.

Há muitos fatores que sopram a favor de uma queda nas taxas de juros, entre os quais a tendência de alongamento da dívida pública em títulos, por causa do interesse de investidores de médio e longo prazo que estão meio sem opção em outras partes do mundo. Porém o mercado financeiro aqui terá antes de se convencer disso.

Não seria nada mau se, em uma das próximas reuniões do Copom, o BC cortasse simbolicamente essas taxas em 0,25 ponto percentual. Lá para novembro ou dezembro.