Título: Política ilusória
Autor:
Fonte: O Globo, 10/09/2009, Opinião, p. 6

A indústria do petróleo terá forte impulso no Brasil nos próximos anos, seja em função do desenvolvimento dos campos já descobertos, seja em decorrência da exploração de áreas novas na chamada camada do pré-sal. O modelo em vigor estimulou a cadeia produtiva de petróleo e gás ao atribuir valor, nas rodadas de licitação dos blocos que seriam objeto de concessão, aos lances que se comprometessem com percentuais mais elevados de conteúdo nacional na contratação de equipamentos e serviços.

A diversificação de empresas no mercado, embora ainda relativamente pequena diante da predominância da Petrobras, também contribuiu para que o Brasil atraísse novos fornecedores ou estimulasse o aparecimento de companhias especializadas. Existe hoje até mesmo um cadastro nacional de empresas habilitadas a fornecer equipamentos e serviços para o setor. Esse processo poderia ser naturalmente agilizado com o pré-sal em face do provável incremento de produção e do desafio de se implantar uma estrutura logística complexa para escoar a produção distante da costa.

No entanto, essa oportunidade talvez esbarre em dificuldades que poderão surgir com o modelo que o governo deseja pôr em prática para exploração de novas áreas do pré-sal. A concentração de toda a operação apenas nas mãos da Petrobras, por exemplo, será uma faca de dois gumes. Se, por um lado, a Petrobras ficará em condições de pilotar encomendas gigantescas, por outro, nenhum fornecedor se sentirá tranquilo ao depender de um único comprador.

Curiosamente, com o modelo proposto, o governo está reabilitando o discurso de aproveitar o pré-sal para promover outro ciclo de substituição de importações, como revelou a ministra Dilma Rousseff em recente entrevista ao jornal "Valor". No passado, o país cometeu erros graves nessas tentativas. Incentivos a indústrias nascentes são justificáveis, desde que temporários e dosados para que a cadeia produtiva não venha a se tornar ineficiente. No Brasil dos anos 70, a obrigatoriedade de se produzir certos componentes fazia com que as partes custassem mais que o todo. Os gastos com subsídios não foram suficientes para sustentar esse tipo de indústria ao longo do tempo. Vários projetos foram abandonados e os incentivos concedidos se esvaíram. Prejuízo para o contribuinte, ganhos para alguns poucos com acesso privilegiado a gabinetes em Brasília.

Tal equívoco não pode ser repetido. O pré-sal de fato pode ser um chamariz para investimentos na cadeia produtiva pelo seu potencial, mas não por conta de subsídios artificiais. Esse tipo de política não passa de ilusão.