Título: Clima de recomeço
Autor: Fleck, Isabel
Fonte: Correio Braziliense, 12/04/2009, Mundo, p. 18

Obama desembarca nesta semana em Trinidad e Tobago para encarar os líderes da região pela primeira vez e apagar a má impressão deixada por Bush. Mas contornar as divergências será muito difícil.

A 4ª Cúpula das Américas, realizada em novembro de 2005 em Mar del Plata, na Argentina, confirmou o completo isolamento do governo de George W. Bush do resto do continente. Mais de três anos depois, Barack Obama tem a chance de iniciar um caminho de volta em seu primeiro encontro com líderes latino-americanos. Às vésperas da Cúpula de Trinidad e Tobago, que tem início na próxima sexta-feira e vai até domingo, representantes do governo dos Estados Unidos dão sinais de que seu presidente está disposto a retomar as relações diplomáticas com países como Venezuela, Bolívia e Equador. A seu favor, Obama terá um ambiente bem menos hostil e deverá perceber até uma suave abertura do eixo antiamericano do continente.

Nas últimas semanas, o representante dos EUA para a Organização dos Estados Americanos (OEA), Hector Morales, o subsecretário de Estado para o Hemisfério Ocidental, Thomas Shannon, e o assessor especial da Casa Branca para a cúpula, Jeffrey Davidow, declararam, em diferentes ocasiões, que Obama chegará a Port of Spain preparado para ¿ouvir¿. ¿Essa é uma oportunidade para o presidente se apresentar, revelar suas ideias e, mais importante, ouvir¿, disse Davidow durante um debate sobre a cúpula em Washington.

Alguns líderes já deram demonstrações de que o diálogo tem chances de fluir bem durante os três dias de encontro. O presidente venezuelano, Hugo Chávez, o principal condutor da ¿cruzada¿ antiamericana nos dois mandatos de Bush, elogiou, há poucos dias, a iniciativa antinuclear de Obama. O mandatário declarou ainda que acredita ¿em um futuro diálogo e no trabalho conjunto em diversas áreas¿. Na última semana, o governo boliviano também anunciou que La Paz e Washington retomarão sua cooperação contra o narcotráfico.

Complicações Para pesquisadores ouvidos pelo Correio, no entanto, o caminho da reaproximação não será simples nem rápido. ¿Os líderes de Venezuela, Bolívia, Equador e Nicarágua exploraram o discurso antiamericano para ter benefício político em seus próprios países. Não sei se palavras suaves e uma atitude cordial da nova administração dos EUA seriam suficientes para mudar suas atitudes¿, destacou Anthony Knopp, professor de História da América Latina da Universidade do Texas.

Philip Levy, do American Enterprise Institute (AEI), considera as ¿diferenças profundamente arraigadas¿ um duro obstáculo para a reaproximação. ¿Será difícil gerir as diferentes crenças sobre a importância de eleições livres e justas, a interferência em assuntos regionais e o tratamento dos investidores estrangeiros¿, afirmou Levy. Já o diretor do britânico Royal Institute of International Affairs, Victor Bulmer-Thomas, especialista em América Latina, acredita que demonstrações de boa vontade de Obama em relação a Cuba serão imprescindíveis para iniciar as conversas. ¿O maior desafio de Obama é convencer o resto da região de que a intenção de reengajamento é séria mesmo sem considerar o fim do isolamento a Cuba¿, explicou.

Outro lado As reais intenções de líderes como Chávez e Evo Morales numa aproximação também são questionadas pelos especialistas. ¿Chávez já disse que apoiava o líder genocida no Sudão (Omar Al-Bashir), que pretende formar uma frente revolucionária com o Irã, e que Pequim é o novo centro do mundo. Difícil saber qual Hugo Chávez vai comparecer à cúpula¿, pondera Ray Walser, da Heritage Foundation.

Maurício Cárdenas, diretor da Iniciativa Latina americana da Brookings Institution, por sua vez, já sabe a tática que será usada pelo venezuelano em Trinidad e Tobago: capturar a atenção da mídia ¿ mais uma vez. ¿Ele deve dizer em público coisas que criem a impressão de oposição aos EUA, mas, entre quatro paredes, será amigável com Obama.¿ De concreto, Cárdenas acredita em um possível acordo para restabelecer os postos de embaixador em ambos os países.

Para Bulmer-Thomas, Chávez não poderá abandonar de toda a hostilidade em relação aos EUA, que já se tornou um ¿importante componente de sua política¿. Mas ele acredita que Chávez, como Morales, não quer que a relação com os EUA piore. ¿Eles sabem que o antiamericanismo tem menos apelo na América Latina com Obama no poder¿, destacou. Uma presença entre os 34 líderes da cúpula, porém, pode ajudar na melhoria dos laços entre o continente e Washington. ¿Obama vai escutar todos os líderes, mas com maior atenção ao que Lula vai dizer. Por isso, é importante que o presidente brasileiro fale sobre os problemas dos outros países e sobre a relação deles com os EUA¿, avaliou Cárdenas.