Título: Recessão pelo retrovisor
Autor: Almeida, Cássia; Batista, Henrique Gomes
Fonte: O Globo, 12/09/2009, Economia, p. 33

Depois de dois trimestres de queda, economia cresce 1,9% entre abril e junho

A recessão é página virada na economia brasileira. A expansão forte de 1,9% no segundo trimestre frente ao início do ano, divulgada ontem pelo IBGE, afastou o temor de que o Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos pelo país) recue este ano, na opinião da maioria dos analistas que acompanham o desempenho da atividade econômica. O número veio no topo das projeções do mercado, que esperava alta entre 1,6% e 2,1%.

Mas, mesmo com o avanço após dois trimestres seguidos de retrocesso, o PIB ainda ficou 1,2% menor na comparação com o mesmo período de 2008. Assim, a economia brasileira fechou o primeiro semestre com um tombo de 1,5%, o maior da série histórica do IBGE, iniciada em 1996.

Entre abril e junho, o Brasil produziu R$ 756,197 bilhões em bens e serviços.

O mercado interno foi o responsável pela retomada da economia, o que pôde ser constatado com a alta de 2,1% no consumo das famílias (que responde por cerca de 60% do PIB) frente ao primeiro trimestre e de 3,2% contra 2008. Nessa comparação, o consumo cresce a quase seis anos seguidos.

¿ Não mudou o padrão de crescimento da economia brasileira. Claramente, o consumo das famílias vem sustentando a expansão ¿ disse Roberto Olinto, coordenador de Contas Nacionais do IBGE.

Investimentos têm queda de 17%

Depois de três trimestres no terreno negativo, a indústria reagiu e avançou 2,1% frente aos três primeiros meses deste ano. Já o investimento, apesar da estabilidade frente ao início do ano, teve queda recorde de 17% contra abril a junho de 2008, no maior recuo da série histórica do IBGE. Além da produção nacional de máquinas e equipamentos ter ficado menor, as importações também caíram. A construção civil, outra parcela considerável do investimento (cerca de 40%), caiu 9,5% frente a 2008.

Segundo Mario Bernardini, diretor da Associação Brasileira da Indústria Máquinas e Equipamentos (Abimaq), os investimentos recuaram para níveis de 2006. Ele alerta que, se a taxa de investimento permanecer nesse patamar (em 15,7% do PIB, a menor desde o segundo trimestre de 2003), o país vai crescer ¿mediocremente¿ nos próximos anos.

Com a crise levando à redução das importações, o setor externo apareceu com sinal positivo no PIB.

A contribuição foi de 0,7 ponto percentual.

Sem essa ajuda, o PIB frente ao segundo trimestre do ano passado teria caído 1,9% e não 1,2%.

¿ Desde o início de 2005, não vemos o setor externo ajudando a subir o PIB. Mas essa situação deve mudar. Com a melhora do mercado interno, a importação tende a aumentar ¿ afirmou o economista Paulo Levy, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

O papel mais relevante do mercado doméstico ficou claro no comportamento dos serviços. Do lado da oferta da economia, foi o setor que manteve o crescimento mesmo durante a recessão. A alta foi de 1,2% frente ao início do ano e de 2,4% contra o mesmo trimestre de 2008.

Puxada pelo crédito, a intermediação financeira, com alta de 8,2%, voltou a exibir taxas de crescimento próximas às de antes da crise.

¿ O setor de serviços não teve comportamento recessivo. A recessão foi curta e concentrada na indústria ¿ afirmou Alexandre Maia, economista-chefe da GAP Asset

Analista já vê alta de 5% no PIB em 2010

A expansão de 1,9% no segundo trimestre, frente ao início do ano, equivale a uma taxa anualizada de crescimento de 7,8%. O bom resultado fez o patamar de produção do PIB voltar aos níveis de 2008. No primeiro trimestre, ainda em recessão, o país havia retrocedido ao nível de produção do segundo trimestre de 2007.

A recuperação foi rápida e, agora, a economia está apenas 2,1% abaixo do nível máximo de produção já alcançado pelo Brasil, que foi no terceiro trimestre de 2008, um pouco antes de a crise financeira desembarcar no Brasil.

Maia, da GAP, acredita que a economia brasileira vai crescer forte em 2010, bem acima das previsões de 4% do mercado. Ele lembra que, em setembro de 2003, quando país também atravessava recessão, o mercado esperava alta de apenas 3% do PIB no ano seguinte e a expansão, em 2004, acabou sendo próxima de 5%: ¿ Portanto, agora quando as projeções estão em 4%, é bem possível ultrapassarmos a faixa de 5% em 2010 ¿ disse.

Além dos investimentos, outro destaque negativo do PIB foi a agropecuária.

O setor foi o único entre os três grandes da economia a registrar taxa negativa, com uma retração de de 0,1% frente ao primeiro trimestre. O principal motivo do resultado foi, segundo especialistas do setor, a redução dos preços internacionais dos alimentos e uma queda de 6% da safra deste ano em relação à colheita do ano anterior. Segundo a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), o setor fechará o ano no vermelho.

¿ O dólar está muito baixo e estamos amargando um forte prejuízo este ano, ou seja, estamos com pouca capacidade de investimentos para o próximo ano ¿informou Pedro Camargo Neto, presidente da Associação Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora de Carne Suína (Abipecs).

Segundo Rebeca, do IBGE, a agropecuária perdeu produtividade no segundo trimestre, época de colheita de grandes culturas como a soja (cerca de 40% dos grãos), com a produção caindo mais que a área plantada.

COLABOROU Fabiana Ribeiro