Título: Nunca houve tanta liberdade
Autor: Figueiredo, Janaína
Fonte: O Globo, 12/09/2009, O Mundo, p. 39

Cristina Kirchner defende sua política de comunicação e nega ter ordenado blitz no Clarín

Um dia depois de a sede do jornal ¿Clarín¿ ter sido cenário de uma inesperada e inédita inspeção da Afip (a Receita Federal argentina), a presidente Cristina Kirchner assegurou que nunca houve tanta liberdade de expressão em seu país. Em discurso transmitido em rede nacional de rádio e TV (recurso utilizado pela segunda vez, em menos de uma semana), a presidente anunciou sua decisão de enviar ao Congresso um projeto que prevê descriminalizar os delitos de calúnias e injúrias (atualmente previstos no Código Penal) e aproveitou para defender a política de comunicação de seu governo. Alheia à reação das principais associações de imprensa nacionais em repúdio à ofensiva contra o Clarín, a Casa Rosada negou ter ordenado a operação e confirmou o diretor do organismo, Ricardo Echegaray, no cargo.

¿ Duvido que em qualquer outra etapa de nossa vida institucional tenha sido possível falar com tanta liberdade como hoje ¿ declarou Cristina.

A presidente disse preferir ¿um bilhão de mentiras antes de ser responsável por calar a boca de alguém¿.

¿ É assim que entendo a liberdade democrática ¿ disse.

Cristina foi mais longe e desafiou ¿qualquer arquivo, qualquer memória, qualquer prova de que hoje não existe mais liberdade para falar sobre as autoridades do governo¿.

Na véspera, o jornal ¿Clarín¿ fora invadido por cerca de 200 fiscais da Afip, que permaneceram mais de três horas na sede revistando documentos.

No mesmo dia, outros agentes da receita argentina realizaram inspeções em residências particulares de diretores do grupo. A blitz coincidiu com a publicação de uma grave denúncia contra o diretor da Afip, homem de confiança do casal K. Na visão de integrantes do grupo Clarín, a medida foi um ato de intimidação.

O incidente coincidiu, ainda, com o debate no Parlamento sobre o projeto de lei sobre serviços audiovisuais, que o governo pretende aprovar antes de dezembro, quando perderá o controle de ambas as câmaras.

O desespero do casal K é tal que o governo tentou selar um acordo com o senador e ex-presidente Carlos Menem, acérrimo inimigo de Néstor e Cristina Kirchner.

A negociação foi revelada pelo próprio Menem, que negou qualquer possibilidade de respaldar um governo que ¿sufoca a liberdade de imprensa¿.

Em meio ao escândalo desencadeado pela ofensiva ao ¿Clarín¿, o governo afastou dois funcionários da Afip, mas manteve Echegaray no cargo.

¿ Seria estúpido organizar (a blitz) para depois aparecer na primeira página do jornal ¿ argumentou o chefe de gabinete, Aníbal Fernández.

O ministro criticou o ¿Clarín¿ ¿por questionar o governo até em suas piadas¿ e disse que o jornal ¿não tem privilégios e se fosse decidida uma inspeção deveria aguentar como qualquer filho de vizinho¿. A inspeção da Afip foi criticada pela União Industrial Argentina (UIA), a Associação de Entidades Jornalísticas da Argentina (Adepa) e a Associação Empresarial Argentina (AEA), entre outras organizações.

Apesar da forte resistência mostrada pela oposição, o governo K pretende aprovar o polêmico projeto de lei sobre serviços audiovisuais na Câmara até o dia 23. Todas as bancadas opositoras se uniram para impedir que o objetivo traçado pela Casa Rosada seja alcançado, já que na visão da maioria dos dirigentes o projeto atenta contra a liberdade de expressão e busca transferir os principais meios do país a grupos aliados ao governo.

¿ Trata-se de uma ferramenta para disciplinar e controlar a imprensa ¿ declarou o deputado Adrián Pérez, chefe de bancada da Coalizão Cívica, partido liderado pela ex-candidata presidencial Elisa Carrió.

De acordo com Pérez, a inspeção ao ¿Clarín¿ ¿é um novo atropelo aos princípios democráticos¿.

¿ Os organismos oficiais, como a Afip, não podem ser usados para intimidar meios de comunicação ¿ enfatizou o deputado opositor.

Para o cineasta a deputado eleito Pino Solanas, ¿uma lei tão importante não pode ser contra alguém (em referência ao grupo Clarín, que deverá perder licenças de rádio e TV se o projeto for aprovado)¿.

¿ Temos de debater e buscar o consenso ¿ disse Solanas, do Proyecto Sur.

Oposição une esforços

O peronismo dissidente, liderado, entre outros, pelo deputado Francisco De Narváez, e a União Cívica Radical (UCR), atuam em bloco para tentar impedir a aprovação do projeto e contam com o respaldo do vicepresidente e presidente do Senado, Julio Cobos. Esta semana, Cobos, que se opõe ao governo K, reuniuse com De Narváez e outros dirigentes para elaborar uma estratégia para impedir a votação do projeto antes de dezembro. O encontro foi criticado pelo governo.

¿ Alguns gestos deveriam obrigar uma pessoa a decidir-se pelo afastamento ¿ afirmou o chefe de gabinete, que, como a presidente, considera que Cobos deveria renunciar à vice-presidência.