Título: A ameaça que vem da China
Autor: Sarmento, Claudia; Scofield, Gilberto
Fonte: O Globo, 13/09/2009, Economia, p. 13

Preço de imóveis cresce e crédito é farto, o que gera temor de bolha

Quem desembarca na capital japonesa vindo da China conta sempre a mesma história: o Japão, a segunda maior economia do mundo, parece estagnado diante do dinamismo das grandes cidades chinesas, onde há canteiros de obras, novas estradas, consumidores gastando, atividade industrial crescendo. Em agosto, a produção industrial aumentou 12,3%. O modelo que levou o gigante asiático a crescer em meio à recessão global se baseia em crédito fácil (o volume de empréstimos dos bancos aumentou 201% no primeiro semestre de 2009, frente ao mesmo período de 2008) e incentivos para obras de infraestrutura (US$ 585 bilhões em dois anos). Na última quinta-feira, o primeiro-ministro chinês Wen Jiabao deixou claro, no Fórum Econômico Mundial de Dalian, que essa fórmula será mantida e admitiu que a recuperação da economia do país ainda não é sólida.

Para os analistas, o problema são as bolhas que estão sendo criadas no meio desse caminho ¿ como, por exemplo, no setor imobiliário ¿ e os riscos de inadimplência.

¿ O sistema bancário na China ainda é atormentado pelo risco de endividamento, agravado pela decisão do governo de estender a política de créditos para estimular a economia.

Não se pode comparar com o que ocorreu nos EUA com o mercado subprime (hipotecas de alto risco), mas uma crise bancária é uma ameaça para a China ¿ disse a analista Linda Yueh, principal especialista em China da Universidade de Oxford.

A ameaça que vem do setor imobiliário tem sinais de especulação.

Em agosto, o preço das propriedades nas 70 maiores cidades chinesas cresceu 2% em relação a julho, segundo dados oficiais.

¿ Definitivamente, há uma bolha no mercado imobiliário.

O dinheiro emprestado pelos bancos também foi direcionado à compra de propriedades e ao mercado de ações. São ativos que sempre têm bons resultados quando a liquidez é grande ¿ atesta Derek Scissors, especialista da Fundação Heritage, instituto de pesquisa conservador, baseado nos EUA.

As recentes quedas na Bolsa de Xangai, que pressionaram os demais mercados asiáticos, aumentaram os temores de um controle de capitais e enfraqueceram, pelo menos temporariamente, o otimismo dos investidores que veem a China como o trem-bala da recuperação mundial. Para os analistas, no entanto, o que houve foi uma reação do mercado a medidas adotadas por Pequim em julho para controlar o crédito.

Embora o volume de empréstimos continuasse alto (US$ 52 bilhões), houve redução em relação aos primeiros meses do ano. Em agosto, porém, os empréstimos voltaram a subir (US$ 60,1 bilhões).

Pequim informa que o índice de inadimplência em 2009 não passa de 1,8% de todos os empréstimos, mas nem todos os analistas acreditam.

Relatório da respeitada Economist Intelligence Unit (braço de pesquisa econômica da revista ¿Economist¿) diz que boa parte dos créditos foi para entidades ligadas a governos regionais e obras de infraestrutura, mas alerta que ¿empréstimos maciços podem levar a controles fiscais de emergência, principalmente em regiões mais pobres¿.

¿ Os preços (de imóveis) estão subindo diante da crescente urbanização, a maior já vista na História. São 400 milhões de pessoas migrando para as cidades nos próximos 20 anos. O ponto-chave é que, desde o Ano Novo chinês (em janeiro), houve uma mudança de sentimento, com a impressão de que o pior da crise já passou ¿ disse Simon Treacy, diretor das operações na Ásia da consultoria MGPA.

A propriedade da terra na China é 100% estatal, e o mercado imobiliário, relativamente novo: só há cerca de 15 anos empresas e indivíduos receberam permissão para investir em projetos comerciais no setor, explica o consultor Bishan Colon, da Real Capital Analytics.

Empréstimos em junho somavam US$ 5,58 tri, ou 118,5% do PIB Quando o vice-presidente da China, Zhu Min, afirmou na semana passada que a injeção de liquidez de US$ 1,1 trilhão feita pelo Banco Popular da China no sistema financeiro do país no início do ano estava provocando uma bolha de crédito que inflava principalmente os mercados imobiliário e de capitais, Michael Pettis, professor de finanças da Guanghua School of Management na Universidade de Pequim, não pôde evitar um sorriso.

Há meses Pettis, um dos maiores especialistas em economia chinesa do mundo, vinha escrevendo em seu blog ¿China Financial Markets¿ que o investimento feito pela China na recuperação da economia era exagerado e mal aplicado e que o país vivia uma clara bolha de crédito. Seu blog foi atacado por hackers.

¿ O governo central e as províncias estão gastando em investimento sem retorno: estradas para lugar nenhum, aeroportos no meio do nada. O consumo não responde por causa das demissões e da incerteza. Ainda que as estatísticas oficiais digam que as vendas no varejo cresceram 15,4% em agosto, isso inclui compra de empresas e de governos. O aumento do consumo das famílias foi de 9%, mas a produção de carros cresceu 90% e a de aço, 29%. Há um claro descompasso e a criação de supercapacidade industrial.

Isso é uma bolha ¿ diz.

Além do pacote de estímulo de US$ 686 bilhões anunciado por Pequim como resposta à recessão mundial, o governo chinês facilitou o crédito a níveis jamais vistos, diz Clayton Dube, diretor-associado do Instituto ChinaEUA, da Universidade Southern California (USC). Segundo o presidente da consultoria de investimentos GaveKal, Louis-Vincent Gave, morador de Hong Kong e especializado em economia chinesa, os empréstimos na China somavam US$ 5,58 trilhões em junho, ou 118,5% do PIB estimado de US$ 4,72 trilhões para este ano, com um crescimento de 7%. No setor imobiliário, os empréstimos totalizavam 19,3% do PIB, ou US$ 910 bilhões. Essa foi a grande razão para a expansão na economia de 7,9% no segundo trimestre.

Em 2008, após medidas de controle, a construção tinha desaquecido e temiase uma bolha. Diante da demissão de 23 milhões de trabalhadores com o freio no setor exportador, o governo decidiu afrouxar as regras de novo.

¿ A capitalização do setor imobiliário estimulou uma corrida às bolsas, que capitalizou de novo os empreendedores imobiliários com ações no mercado ¿ diz Dube.

Nada menos que US$ 170 bilhões entraram nas bolsas chinesas nos primeiros cinco meses do ano.

¿ Apesar do cuidado da equipe econômica, o governo parece mais preocupado em investir e gerar empregos para evitar turbulência social ¿ diz Chen Baizhu, professor da Marshall School of Business da USC

COLABOROU Felipe Frisch, do Rio