Título: O Brasil saiu da crise mais rápido e mais sólido
Autor: Melo, Liana
Fonte: O Globo, 13/09/2009, Economia, p. 28

BRASÍLIA. O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, pediu aos seus assessores que preparassem na semana passada um caderno com mais de 30 páginas reunindo dados da economia do Brasil e de outros países. Com o calhamaço a tiracolo, se armou para provar que a crise não levou o Brasil para o fundo do poço. Sobre uma possível candidatura a governador de Goiás em 2010, adota a mesma disciplina de quando é perguntado sobre o Copom (Comitê de Política Monetária, que determina a taxa de juros do país): ¿Não tomei uma decisão¿.

Patrícia Duarte

O GLOBO: Faz um ano que a crise internacional entrou na sua fase mais aguda. É possível garantir que a crise acabou? HENRIQUE MEIRELLES: O crescimento no segundo trimestre de 2009 (de 1,9%) confirma que o Brasil saiu da crise. Indicadores antecedentes mostram uma continuada expansão do PIB no terceiro trimestre. Temos de fato um quadro que indica que o Brasil saiu da crise mais rápido, mais sólido e mais forte do que a maioria dos países, inclusive emergentes.

Analistas alertam que pode haver uma recaída e a economia mundial enfrentar um novo mergulho. Isso não atingiria o Brasil? MEIRELLES: Esses analistas estão avaliando a situação americana. Uma queda da atividade econômica dos EUA afetará todos os países do mundo, inclusive o Brasil. No entanto, para o Brasil, o efeito deve ser muito menor do que foi no ano passado. Os mecanismos de defesa do BC e do governo se mostraram muito eficazes, principalmente aqueles referentes às linhas de crédito em dólares, à liquidez em real pelo efeito dos compulsórios (reduzidos), às intervenções nos mercados futuros, às vendas de dólares das reservas brasileiras.

Esses mecanismos continuam acionados, em ponto de bala. Aquela crise de confiança que tivemos ano passado, quando as empresas pararam de produzir e desovaram estoque, precipitando uma contração na indústria, não há mais razão para acontecer. Os empresários e a população já verificaram a eficácia das ações anticrise do BC e do governo.

Mas, mesmo depois das medidas anticrise, os bancos continuaram resistentes em liberar crédito, tanto que o governo determinou que os bancos públicos atuassem mais fortemente.

MEIRELLES: A crise foi gravíssima e a recuperação, gradual. Atingiu todos os setores. A indústria, que desovou estoque; os consumidores, que diminuíram as compras; e os bancos, que diminuíram os empréstimos. A confiança foi retornando aos poucos. Os bancos públicos fizeram um movimento contracíclico e ganharam a aposta. Eles saíram na frente, apostando que as medidas do governo fariam efeito e reverteriam a crise. E os bancos privados, com o tempo, seguiram o processo.

l Os bancos públicos foram os primeiros a apostar na retomada porque, se desse errado, o Tesouro cobriria os prejuízos.

MEIRELLES: É correto dizer que os bancos públicos cumpriram seu papel de governo.

Fizeram movimento contracíclico e o puderam fazer porque são governo. E, como governo, não só puderam como deveriam fazer. Mas o movimento revelou-se correto também sob o ponto de vista individual das instituições, porque a aposta funcionou. No momento em que os bancos públicos aumentaram a oferta de crédito e baixaram as taxas, eles atraíram os melhores clientes. Na medida em que a economia sai da crise, eles saem com uma fatia maior de mercado e melhor qualidade na carteira.

l Está na hora de retirar as medidas de incentivo, como a redução dos compulsórios? MEIRELLES: Como foi recomendado pelo G20 (grupo que reúne as 20 maiores economias do mundo), é um pouco prematuro retirar as medidas contracíclicas neste momento. A não ser aquelas para as quais há uma retirada natural, demandada pelo próprio mercado, como a venda de dólares à vista. Já estamos comprando dólares. Consideramos que o compulsório está adequado.

l As indicações do BC são que a taxa básica de juros Selic deve permanecer no atual patamar. Os juros para os consumidor têm espaço para cair mais? MEIRELLES: Sim, acredito que há uma tendência de queda das taxas de juros no mercado de crédito. A tendência de longo prazo da economia brasileira nos últimos anos tem sido, e tudo indica que continuará sendo, uma queda gradual das taxas de juros e dos spreads (diferença entre os juros pagos pelos bancos na captação dos recursos e as taxas cobradas do consumidor final).

l O senhor se surpreendeu com a reação negativa de boa parte do mercado sobre sua possível filiação partidária e continuar à frente do BC? Não são interesses incompatíveis? MEIRELLES: Não tenho nenhuma decisão tomada neste momento se vou ou não me filiar a um partido político. Se, por ventura, decidir me filiar, terei até o fim de março de 2010 para decidir se serei ou não candidato.

Portanto, é um pouco prematuro. Certamente, no fim desse mês, me dedicarei a esse assunto. As críticas são normais. Mas, na minha avaliação, não afetaram os mercados.

Andei no mundo inteiro, conversei com investidores, e não há a menor preocupação neste sentido. Não há nenhuma dúvida que, qualquer que seja a filiação partidária ou não da minha parte, o BC continuará comprometido com a estabilidade econômica. A dúvida que existe é o que acontecerá com a política econômica brasileira depois da minha saída do BC, seja em abril de 2010, seja em janeiro de 2011. Essa é a única questão que ouço no mundo inteiro.