Título: A conta que não fecha
Autor: Jungblut, Cristiane
Fonte: O Globo, 14/09/2009, O País, p. 3

Governo deixa fora do Orçamento previsão de receita para despesas de R$ 10 bilhões

Para o ano eleitoral, o último do mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o governo enviou ao Congresso uma proposta de Orçamento da União inflada, com grande aposta no aumento de receita, e direcionando mais gastos para as áreas sociais e de infraestrutura. Mas deixou de fora dessa conta alguns passivos ¿ despesas sem a previsão de receita ¿ que podem chegar a quase R$ 10 bilhões. O governo já começou a ser pressionado por parlamentares e governadores para que os chamados ¿buracos¿ sejam resolvidos.

O problema é que a proposta orçamentária do governo já chegou ao Congresso apertada e praticamente engessada, o que dificultará os remanejamentos.

Os principais contenciosos já envolvem R$ 9,4 bilhões, sendo uma grande parte de interesse direto dos governadores (Lei Kandir) e dos parlamentares (emendas individuais).

Essa conta poderá ficar mais salgada ainda se os políticos decidirem cobrar também a garantia de recursos para as emendas de bancadas e de comissões. Conhecidas como emendas coletivas, elas deveriam somar outros R$ 8 bilhões para atender obras e projetos dos estados, mas não foram contempladas pela equipe econômica. O buraco no Orçamento de 2010 passaria a ser, então, de quase R$ 18 bilhões.

As maiores pressões são pelo pagamento aos estados por perdas nas exportações impostas pelas isenções de impostos previstas na Lei Kandir; pela manutenção do atual valor das emendas individuais dos parlamentares em R$ 10 milhões (para cada um), em vez de R$ 8 milhões; além da necessidade de o próprio governo incluir no Orçamento recursos para o pagamento do reajuste real, a ser dado em janeiro de 2010, aos aposentados que ganham benefícios acima do salário mínimo

Ano eleitoral acirra disputa por verbas

Ao divulgar a proposta orçamentária para 2010 no último dia 1o, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, avisara que o Orçamento não previu o reajuste para os aposentados, mas que seria incluído depois de oficializado o acordo entre governo e as centrais sindicais. O aumento real para as aposentadorias acima do mínimo ¿ só concedido agora, para o último ano de mandato de Lula ¿ terá um impacto de R$ 3 bilhões em 2010. Como é uma medida de forte apelo popular, o governo vai estabelecer que esse deve ser o remanejamento prioritário a ser feito na peça orçamentária.

Do outro lado do balcão, porém, a preocupação maior é em torno da Lei Kandir e da recomposição das emendas, já que as discussões envolvem atores políticos importantes, como os governadores tucanos José Serra (SP) e Aécio Neves (MG), e os parlamentares aliados. Estes últimos contam com recursos fartos do governo em ano de eleição.

O governo não fez qualquer previsão de repasse para os estados a fim de compensar perdas causadas pelas isenções da Lei Kandir. Anteriormente, já tinha vetado essa previsão na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Mesmo sem a garantia do Orçamento, havia sido acordado entre governos federal e estaduais que a recomposição em 2010 ficaria em torno de R$ 3,9 bilhões. Outro R$ 1,3 bilhão ficou condicionado ao aumento de receita, num total de R$ 5,2 bilhões para o repasse em função da Lei Kandir.

No caso das emendas de parlamentares, o governo fixou em R$ 4,73 bilhões a chamada Reserva de Contingência, o que baixou o valor individual das cotas em R$ 2 milhões.

Se a pressão dos parlamentares der certo, o governo terá que remanejar mais R$ 1,2 bilhão para cobrir essa diferença. As emendas são utilizadas pelos 513 deputados e 81 senadores para indicar recursos para obras e projetos em suas cidades, mostrando sua influência, em especial no ano eleitoral.