Título: Gigante na selva
Autor: Barbosa, Flávia; Paul, Gustavo
Fonte: O Globo, 14/09/2009, Economia, p. 17

Tamanho da usina de Belo Monte atrasa leilão e cria divergência de R$ 13 bi no orçamento

Depois de vencida a etapa de elaboração dos quatro projetos do marco regulatório do pré-sal, o governo volta sua energia agora para viabilizar a licitação da usina de Belo Monte, o maior empreendimento hidrelétrico em elaboração no mundo. E o gigantismo do projeto, no Rio Xingu (PA), é justamente o maior entrave, hoje, à sua licitação. De gastos com alimentação a seguro para o empreendimento, todos os números da hidrelétrica são vultosos e atrapalham o cálculo de parâmetros elementares como o preço da tarifa. Isso está atrasando a finalização da modelagem e do edital de licitação.

Para se ter uma ideia, segundo grupos privados, o custo de alimentação dos mais de dez mil trabalhadores que estarão envolvidos na construção é estimado em R$ 600 milhões ao longo dos ao menos quatro anos de obras. A abertura de portos fluviais e estradas para servir ao escoamento dos insumos (como material de construção), máquinas e equipamentos custaria ao menos R$ 3 bilhões.

Já os dois canais de desvio do rio, necessários para controlar a vazão do Xingu, estão orçados em R$ 9 bilhões.

As escavações para esse canal, estimase, vão revolver mais terra do que foi feito no Canal do Panamá. A terraplenagem deve sair por R$ 1 bilhão.

Trabalhando com valores dessa envergadura, crescem as divergências entre empresários do setor elétrico e governo sobre o valor da obra. O primeiro embate mais acalorado ocorreu em julho, quando o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, apresentou proposta de R$ 17 bilhões a representantes das associações brasileiras das indústrias de Base (Abdib), de Máquinas (Abimaq) e Eletroeletrônica (Abinee). Os empresários asseguram que o empreendimento vale, no mínimo, R$ 30 bilhões.

¿ Os empreendedores apresentam números que me parecem um pouco inflados ¿ diz o presidente da Empresa de Planejamento Energético (EPE), Maurício Tolmasquim.

Desde então, várias outras reuniões ocorreram na Casa Civil, com empreiteiros e autoprodutores de energia, entre outros. Representantes da Eletrobrás já chegaram a calcular o valor da usina em cerca de R$ 22 bilhões, considerando o custo de R$ 2 mil o megawatt instalado.

Seguro bilionário é um entrave

O vice-presidente da Associação Brasileira dos Autoprodutores de Energia (Abiape), Cristiano Amaral, pondera que, em uma obra complexa como Belo Monte, dificilmente o megawatt instalado ficaria abaixo de R$ 3 mil.

¿ Sob esse aspecto a obra deve ficar na casa dos R$ 30 bilhões ¿ diz.

O governo está correndo contra o tempo. A meta é fechar todos os detalhes da obra até o fim deste mês, lançar o edital no início de outubro e fazer o leilão em novembro. Tudo isso, contando que não surjam liminares na Justiça, o Ibama libere a licença prévia nos próximos dias e o Tribunal de Contas da União (TCU) aprove o edital.

Assim, as obras poderão ser iniciadas em 2010 e concluídas em 2014.

¿ Há tempo para tudo e poderemos começar a obra no início do ano que vem ¿ diz Tolmasquim, que no dia 22, em evento em São Paulo, promete divulgar os principais dados da obra.

Para o mercado, Belo Monte é uma obra que implica muitos riscos. Para diluí-los, é preciso atuar em uma parceria ampla, que necessariamente inclua as subsidiárias da Eletrobrás. A ideia de formação de um megaconsórcio formado por empresas públi cas e estatais ¿ que chegou a crescer ¿ foi desarticulada pelo governo, que insiste em ter pelo menos dois consórcios em disputa, para reduzir o valor da tarifa de energia, critério básico para escolha do vencedor.

No cenário básico de alguns empresários, o grupo a construir a usina teria ao menos quatro integrantes, dois privados e dois estatais. O governo deverá liberar Chesf, Eletronorte, Eletrosul e Furnas para entrar no projeto. Mas esse desenho ainda não foi fechado. Apesar de o governo ter como balizador em leilões de hidrelétricas o menor preço de tarifa ofertado, os estudos para chegar a esse valor estão complicadíssimos.

Um dos elementos essenciais é o tamanho do seguro da obra, bilionário, que precisa ser dividido entre várias seguradoras para ser aceito. A obra é considerada tão grande que os empreendedores não querem arcar com os custos e os riscos sozinhos.

¿ Não dá para brincar com isso.

Qualquer erro de 1% no planejamento representará uma fortuna para os empreendedores ¿ diz Amaral, da Abiape, que representa gigantes como a Vale, Votorantim, Alcoa e Gerdau.

Outro desafio é a questão da quantidade de energia que poderá ser vendida no mercado livre. Como a obra é muito cara, os investidores querem negociar diretamente com os compradores uma parte maior da energia gerada do que os até 30% que foram permitidos nos leilões das usinas de Jirau e Santo Antônio. Essa parcela é uma fonte maior de recursos às empresas e seria uma forma de compensálas pelos altos gastos com a obra.

A usina é vista como estratégica também pelo setor privado. Para o vice-presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), Newton Duarte, grandes hidrelétricas como Belo Monte são a solução de longo prazo para que o país possa, até 2017, gerar cerca de 50 mil megawatts a mais.