Título: Márcio Moreira Alves, ex-deputado
Autor: Pariz, Tiago
Fonte: Correio Braziliense, 04/04/2009, Política, p. 5

Jornalista teve mandato parlamentar marcado por defesa da democracia

Discurso de Moreira Alves desencadeou o recrudescimento da ditadura Um dos símbolos da resistência à ditadura militar, o ex-deputado e jornalista Márcio Moreira Alves morreu ontem no Rio de Janeiro. Ele tinha 72 anos e estava internado desde outubro por sequelas de um Acidente Vascular Cerebral (AVC). Nascido em 14 de julho de 1936, o carioca começou a vida profissional aos 17 anos como repórter do Correio da Manhã. Ganhou o Prêmio Esso aos 22 anos, por reportagem sobre o tiroteio na Assembléia Legislativa de Alagoas durante a votação do impeachment do governador Munhoz Falcão, no qual o jornalista foi ferido por uma bala perdida.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva lamentou a morte de Moreira Alves. ¿Sendo filho de família tradicional, poderia ter se acomodado, mas não se omitiu. Pela sua atuação destemida contra o regime militar, Márcio será reconhecido pela história não só como um grande jornalista mas, sobretudo, como um homem de coragem, que não se curvou ao autoritarismo e lutou com paixão pela democracia¿, afirmou Lula.

Moreira Alves teve atuação marcante como deputado federal nos idos da ditadura. Discurso feito por ele em 2 de setembro de 1968 é considerado um divisor de águas nos anos sombrios, por ter desencadeado o recrudescimento dos militares com a instauração do Ato Institucional número 5. Em protesto contra a invasão da Universidade de Brasília, Marcito, como era conhecido, subiu à tribuna da Câmara dos Deputados e convocou a população a boicotar as festividades do Sete de Setembro. ¿Todo e qualquer contato entre os civis e os militares deve cessar porque só assim conseguiremos fazer com que este país volte à democracia¿, disse o ex-deputado naquele discurso.

O pronunciamento foi considerado pela cúpula militar como ofensivo ¿aos brios e à dignidade das Forças Armadas¿. O procurador-geral da República, Décio Meireles Miranda, entrou no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a cassação do deputado.

Mas o processo só poderia ser aberto com autorização da Câmara. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) concedeu, mas, no plenário, os deputados, num ato considerado por historiadores de autopreservação, derrubaram o pedido do STF. Um dia depois de a Câmara salvar Moreira Alves, Costa e Silva edita o AI-5. Considerado o golpe dentro do golpe, o ato autorizava o presidente da República a decretar o recesso do Congresso Nacional, a intervir nos estados e municípios, cassar mandatos e suspender, por dez anos, os direitos políticos de qualquer cidadão, além de confiscar bens de ¿todos quantos tenham enriquecido ilicitamente¿ e suspender o habeas-corpus. No mesmo dia, Costa e Silva fecha o Congresso. Moreira Alves e outros 10 deputados acabam cassados. O ex-deputado fugiu do Brasil. Exilou-se no Chile até 1971. Depois seguiu para a França, Cuba e Portugal. Voltou ao país em 1979.

O vice José Alencar lembrou também a trajetória política de Moreira Alves. ¿As circunstâncias quase o tiraram da vida pública nacional, mas ele teve a sabedoria de encontrar caminhos que lhe permitiram continuar participando da construção do nosso país¿, disse. O governador de São Paulo, José Serra (PSDB), lembrou da convivência no Chile. ¿Três aspectos de sua personalidade me chamaram a atenção: tendência ao engajamento em boas causas, uma certa, e sadia, ingenuidade na ação política e uma enorme facilidade para estabelecer teias de relações pessoais e políticas¿, afirmou o tucano.

O presidente do Congresso, José Sarney (PMDB-AP), lembrou a importância do discurso de Moreira Alves em 1968. ¿Aquele protesto da época determinou, de certo modo, a mudança da linha da ditadura que então se delineava¿, afirmou Sarney.