Título: Despedida apenas do STJ
Autor: D'Elia, Mirella
Fonte: Correio Braziliense, 04/04/2009, Política, p. 6

Ministro do Superior Tribunal de Justiça se aposenta da Corte, mas já faz planos de continuar trabalhando

Aos 70 anos, o desembargador federal Carlos Fernando Mathias está se despedindo do Superior Tribunal de Justiça (STJ), onde atuou durante 20 meses como convocado. Apesar disso, nem pensa em parar ou diminuir o ritmo de trabalho. Quer voltar a advogar e também a dar aulas. E ainda vai assumir na semana que vem a vice-reitoria da Universidade do Legislativo Brasileiro (Unilegis), voltada para a qualificação de servidores do Legislativo ¿Estou com gás total¿, disse o magistrado.

A vitalidade que demonstra ao conversar ajuda a explicar por que ele é um ferrenho defensor da aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que aumenta de 70 para 75 anos o limite de idade para a aposentadoria obrigatória no serviço público ¿ que ficou conhecida como a PEC da Bengala.

Para o desembargador, é ¿furado¿ o argumento usado por entidades jurídicas de que a mudança provocaria uma espécie de engessamento do Judiciário, por causa da demora maior em renovar os tribunais. ¿No mundo inteiro, as nações de vanguarda já não aceitam esses limites¿, afirmou Mathias.

O magistrado também defendeu mudanças na legislação para combater a morosidade, apontada por ele como a grande mazela da Justiça brasileira. E avaliou: enquanto a criminalidade ganha, cada vez mais, ares sofisticados, as leis brasileiras precisam se modernizar urgentemente. ¿Em muitos casos, a criminalidade organizada é incomparavelmente superior ao poder de repressão do Estado¿, avaliou Mathias, que recebeu a equipe do Correio ontem para a entrevista a seguir: O senhor está se aposentando agora. O que acha da proposta de aumentar de 70 para 75 anos o limite de idade para a aposentadoria compulsória no serviço público? Eu posso hoje falar mais à vontade porque, como diz aquele programa de TV, isso já não me pertence mais (risos). Sou completamente favorável, mas não é uma coisa só de opinião, como você escolhe um clube, é Flamengo, Fluminense ou Vasco. Hoje a esperança de vida é bem maior. As leis que fizeram esse limite passam de seis décadas, quando a realidade era completamente outra. No mundo inteiro, as nações de vanguarda já não aceitam esses limites.

E quanto às críticas de que isso engessaria a jurisprudência, já que a composição dos tribunais superiores demoraria mais a ser renovada? No Federal Judicial Center (nos Estados Unidos), onde estudei, alguns juízes mais experimentados não se afastam e transmitem essa experiência aos jovens, que têm um grande futuro, mas não têm experiência. É preciso haver um equilíbrio. Nada contra a juventude, contra a renovação, que é muito importante. O argumento é furado.

Quais seriam, na opinião do senhor, os grandes gargalos do Judiciário? Mais do que um gargalo, a grande mazela do Judiciário é a morosidade. O Rui (Barbosa) já dizia que Justiça tardia não é Justiça: é injustiça qualificada. Você tem uma grande decisão, mas essa decisão não vai servir para nada. Tenho pena dessas pessoas idosas que estão brigando por benefícios previdenciários mas, por vezes, os netos é que vão auferir porque os processos se arrastam. E por que o processo é moroso? Não é porque o juiz não trabalhe. Vamos admitir que um ou outro não sejam tocados pela graça do verbo trabalhar, mas é uma minoria. Eles trabalham muito.

Qual seria o problema então? Nós temos um Código de Processo Penal que, do ponto de vista científico, nos orgulha. Acontece que, com ele, o processo corre mas não anda. Ele tem tantos recursos, tantos procedimentos, tantos formalismos. O mesmo vale para o Código de Processo Civil. O Código de Processo Penal é de 1941, tem mais de 60 anos, se aproximando dos 70. Enquanto isso, para punir a criminalidade você tem uma lei retrógrada, atrasada, a criminalidade está muito organizada. Em muitos casos, a criminalidade organizada é incomparavelmente superior ao poder de repressão do Estado. Eles (os criminosos) têm avião, têm meios de comunicação, dinheiro, têm como lavar o dinheiro. Isso tudo é um esquema, são tentáculos.

O senhor defende mudanças na legislação? Há um descompasso, mas já houve alguma resposta. A Lei 9.099 (de 1995), que criou os juizados especiais, tem indicações, pistas e mais do que isso. Mas hoje, lamentavelmente, algum formalismo também está entrando ali, porque a demanda é muito grande. Para alguns conflitos, não seria preciso nem juiz. Basta um bom mediador, um bom conciliador e você resolve isso. Você chega ao mesmo resultado. A Justiça do trabalho, por exemplo, está hipertrofiada.

É um problema localizado? Não, toda a Justiça é morosa ¿ por causa dos procedimentos, do formalismo, de mentalidade. As partes também precisam mudar a mentalidade. Até pelo prestígio do Judiciário, você tem que dar eficácia às decisões. Para que uma boa decisão, se ela não se realizar? A emenda constitucional 45, a chamada reforma do Judiciário (de 2004), criou a repercussão geral no Supremo e o recurso repetitivo no STJ. Dessa forma, você dá meios para não prolongar as demandas. A súmula vinculante é uma coisa extraordinária. Quando as coisas vão se repetindo porque ficarem os processos se arrastando? Por que ficar julgando a mesma coisa? Isso pode ajudar a evitar recursos procrastinatórios, que interessam a alguém.

Fala-se muito em um excesso de judicialização, que tudo acaba em briga judicial. Qual é a opinião do senhor sobre esse tema? A Constituição Federal diz que uma das garantias expressas do cidadão é esta: nenhuma ameaça de lesão pode escapar da apreciação do Judiciário. Mas a repetição (de processos) só fica bem no Bolero de Ravel. Para que o Judiciário seja respeitado tem que responder a essas demandas.

Agora que se aposentou, o que o senhor pretende fazer? Certamente voltarei a advogar. Mas recebi um convite para ser o vice-reitor da Universidade do Legislativo Brasileiro (Unilegis), que é uma universidade corporativa, voltada para a formação de quadros de apoio do Congresso e também das Assembleias Legislativas, Câmaras de Vereadores. E também dos quadros dirigentes. Nada impede que parlamentares façam cursos presenciais e a distância. Também dei aulas muitos anos e recebi convites para voltar. A rigor, nunca me afastei. É uma fixação. Estou com gás total. Posso pecar por excesso, nunca por omissão. Para descansar, terei toda a eternidade (risos).